30.5.11

Espiritismo e neurociência - laboratório de neuroanatomia da UFRJ

O post abaixo é da neurocientista Suzana Herculano-Houzel, dona do blog A NEUROCIENTISTA DE PLANTÃO e diretora do laboratório de neuroanatomia comparada da UFRJ.


O efeito Chico Xavier sobre as aulas de neurociência

Os sentidos são nossa capacidade de detectar estímulos - ou seja, variações de energia. Se não há uma variação de energia, não há estímulo. Se há uma variação de energia, mas não temos no corpo células capazes de se deformar ou se alterar de alguma forma em resposta a essa variação de energia e comunicar essa deformação ao sistema nervoso, não há sensação correspondente. Por isso não somos capazes de detectar variações de energia nuclear, por exemplo, ou de campos magnéticos ou elétricos: não temos células sensíveis a eles. A energia está lá, e pode até ter consequências sobre o corpo (vide acidentes nucleares e explosões atômicas), mas só sabemos disso quando o corpo já começa a sofrer as consequências - e, no caso, são elas que detectamos pelos sentidos.

Donde a pergunta inevitável, em tempos de Chico Xavier se tornando fenômeno de bilheteria nacional, durante a primeira aula sobre os sistemas sensoriais para minha turma de psicologia na UFRJ: e os espíritos? Como nós os detectamos?

Resposta em palavras escolhidas a dedo pela Neurocientista de Plantão: até hoje não foi detectada nenhuma forma de energia que possa corresponder a manifestações espíritas. Nenhum aparelho acusa qualquer tipo de variação de energia externa ao cérebro que possa ser relacionada à sensação de "presença espírita" relatada por algumas pessoas. Se esse for de fato o caso, "espíritos" não podem ser "detectados pelos sentidos".

"Mas não pode ser o caso que essa forma de energia existe, e só não sabemos como ela é, então não temos aparelhos para acusá-la?" Pode, teoricamente pode. "E será que algumas poucas pessoas não possuem os receptores sensoriais necessários para detectá-la, e a maioria das pessoas não?" De novo, teoricamente sim.

Mas, enquanto não houver uma variação de energia "espírita" detectável e não for encontrado um tipo de célula no corpo sensível a ela, não dá para falar em "sentir" espíritos - não no sentido dos outros sentidos.

Por outro lado, há vários estudos em neurociência que mostram que a percepção de presenças atribuíveis por exemplo a espíritos está associada a um padrão de ativação em regiões do córtex, como o parietal posterior e o lobo temporal. "A-ha, então os espíritos agem diretamente sobre o córtex cerebral!", podem dizer alguns. É uma interpretação possível - assim como é possível a outra interpretação, de que a percepção da presença do espírito é uma criação do seu córtex temporal. Mas enquanto a interpretação espírita não é testável pela ciência, a segunda interpretação é - e sim, é possível *provocar* uma sensação espírita apenas manipulando a atividade do cérebro...

Se Deus/espíritos/almas são uma criação do seu cérebro ou os criadores dele, portanto, fica a critério de cada um. A ciência nem prova, nem desaprova...

FIM

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Debate entre dois leitores do blog que vale a pena ler

POR RODOLFO - "Se Deus/espíritos/almas são uma criação do seu cérebro ou os criadores dele, portanto, fica a critério de cada um. A ciência nem prova, nem desaprova..."

Mas a ciência possui um mecanismo chamado navalha de Occam, no qual se não é possível decidir com evidências entre uma hipótese e outra, escolhe-se a mais "simples", no sentido de ter menos elementos misteriosos.

Agora eu pergunto: Sabendo que o cérebro, apesar de maravilhoso, é falho, e, levando em conta todas às vezes que os seres humanos foram enganados pela própria mente; além do fato de não haver comprovação nenhuma para espirítos, qual é a melhor conjectura: a experiência de percepção de espirítos é causada por espirítos (o que levanta mais questões do que responde), ou é causada por alguma parte do cérebro?

Eu fico com a segunda, respaldado pela ciência (utilizando o método científico do filósofo Karl Popper).

Mas não é só uma explicação desnecessariamente complicada, ela também é muito ruim por não explicar por que tem que ser espirítos e não qualquer outra coisa.

Por fim, vou dar um exemplo de uma boa explicação nos termos científicos e uma má explicação. O problema é o seguinte: por que existem as estações do ano (verão, primavera, inverno e outono)? 
Segundo a mitologia grega, Perséfone é levada a força por Hades todo verão para o inferno, a mãe dela Deméter (deusa da agricultura) fica preocupada e deixa de cuidar da terra da Grécia, resultando em áridez nessa época do ano. As 4 estações são explicadas por essa "hipótese".
A outra hipótese diz que as estações são provocadas pela órbita inclinada da Terra ao redor do Sol.
Essas hipóteses têm o mesmo valor científico? Se você achar que a resposta é sim, está desatualizado pelo menos um século sobre o método científico.
Porque para eu refutar o mito, basta eu pegar um navio e ir para a outra metade do globo que está no inverno, mas eu poderia modificar facilmente o mito para ele poder conter essa observação. Porém o mito continuaria não explicando nada. Na verdade eu poderia variar qualquer elemento desse mito infinitamente, com ele ainda concordando com as observações.
Agora se eu fizesse a seguinte observação: no hemisfério norte está verão agora e no sul também, a hipótese da órbita terrestre ao redor do Sol estaria completamente destruída, e eu não conseguiria mudá-la para conter essa observação, tendo que jogá-la fora e pensar em outra hipótese.

Resumindo, o mito do espírito que estimula o lobo temporal é tão absurda quanto o mito de Perséfone, e qualquer evidência contra esses mitos, eu posso mudá-los para não entrar mais em conflito com a ciência.
Portanto acreditar em qualquer coisa, seja divindade ou espírito, ou qualquer outra coisa(existem infinitas) que não pode ser refutada pela evidência não é algo cientificamente correto.

No mais, uma ótima matéria!

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POR BRENO - Lamentável e reprovável o comentário do Rodolfo acima. Métodos como a lâmina de Roccam são apenas conceitos, idéias, meras diretrizes já reconhecidas como incapazes de chegar a resultados conclusivos por si mesmas. Tentar encontrar justificação científica irrefutável para o materialismo é tão fútil quanto utilizar o mesmo processo para a justificação de fenômenos espíritas - ao menos nos moldes e com os equipamentos científicos atuais. O fenômeno magnético tinha a origem até há poucos anos atrelada única e exclusivamente às propriedades elétricas das partículas sub-atômicas, e quaisquer efeitos alegadamente não associados à influência direta deste campo era imediatamente rotulado de misticismo e até loucura - até mesmo por membros respeitados da comunidade científica. Isto até um grupo de cientistas brasileiros comprovar uma ação persistente de mais de quatro horas após a retirada do campo magnético em certos sais, o que viola diretamente o sagrado (segundo a doutrina materialista) princípio da causalidade local. Leia a reportagem da revista Galileu para mais informações: http://bit.ly/bIY1Ox

Por mais que a importância de tais processos seja minimizado, é impressionante para qualquer observador imparcial a força de um fenômeno sem causa material direta e que não pode ser sentido por nenhum tipo de neuro-receptor no nosso organismo. Se similar processo comprobatório - a partir do surgimento de novos equipamentos, técnicas e metodologias de medição - ocorrerá com os ditos fenômenos mediúnicos só o tempo dirá. Neste suposto ínterim, permanecer na dúvida é obrigação científica, até pelo número abundante de casos com relatos cruzados que desafiam qualquer justificativa baseada em criptomnésia ou alucinação coletiva.

De toda sorte, tentar apoiar-se na ciência para justificar o método de crença materialista é, inconfundivelmente, pseudo-ciência. Não pode tal artifício ser menos reprovável que qualquer dogmatismo, já que pela auto-imposta venda só serve à satisfação egóica de indivíduos hermeticamente fechados em suas correntes de pensamento - enquanto atravanca o desenvolvimento do conhecimento humano, até mesmo no tratamento de doenças, como no exemplo citado.


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