19.4.11

Psicologia Transpessoal? Isso é sério?

Esse é o post mais lido do meu blog, portanto, merece uma atualizada
ATUALIZADO em 31/05/2011
ATUALIZADO EM 08/06/2011
ATUALIZADO EM 29/11/2011


Até hoje muitos alunos e ex-alunos me mandam email pedindo ajuda sobre o tema.
 Aí vai uma breve tentativa, passível de erros e equívocos, é claro!

Antes de sabermos o que é a Psicologia Transpessoal, vamos descobrir o que NÃO É PSICOLOGIA.

 
Bola de cristal, quiromancia, búzios, tarot, iridologia,
cristais energéticos, mapa astral, Chacras, florais, etc
ISSO NÃO É PSICOLOGIA !!!!!

Várias "pseudo-ciências" se escondem por trás de
títulos como "Terapia Holística". Isso não é PSICOLOGIA !

De antemão, preciso admitir que muita coisa que chamam de "psicologia transpessoal" passa longe de PSICOLOGIA! Lembre-se: quando falamos em PSICOLOGIA, falamos de uma ciência estabelecida no século XIX, em franco desenvolvimento, e não uma panacéia qualquer. Esse aviso vale, especialmente, para os recém-ingressos em faculdades de psicologia e pessoas que buscam alternativas terapêuticas.

Wundt, pai da psicologia, teve um longo trabalho para estabelecer a psicologia científica no século XIX.












O grande problema é que na área da Psicologia há um limite nem sempre respeitado entre "crendices, supertições" x "fazer científico", especialmente no campo das "psicoterapias". Há uma espécie de "psicologia do senso comum" ou, de maneira "abrasileirada", uma "psicologia de preto-velho" (rs!) que está desvinculada do fazer científico, mesmo que muitas pessoas se sintam beneficadas por esse tipo de panacéia.

Xamãs: os primeiros "médicos"
Desde sempre, curandeirismos fizeram parte da história da humanidade, alavancando a curiosidade humana sobre doenças e sistemas de cura. Os primeiros "médicos" da humanidade foram as xamãs, tão bem descritos pelo historiador das religiões, Mircea Eliade. Suas beberagens, defumações, emplastros, saunas sagradas e demais técnicas foram trampolins ancestrais para a medicina moderna, que buscou compreender esses fenômenos com um olhar diferenciado. Acontece que, hoje em dia, milhares de anos após os xamãs, quatro séculos depois da revolução científica, e mais de duzentos anos após o estabelecimento da psicologia científica, não podemos nos beneficiar destas técnicas sem a presença do método científico por trás; caso contrário, estamos perpetuando "curandeirismos", e não PSICOLOGIA.


VEJA BEM: não se trata aqui de desmerecer o "trabalho terapêutico" de um "preto-velho" que ajuda sua comunidade local com conselhos, "banhos" e defumações, mas sim de esclarecer que desde que suas técnicas estejam desvinculados do fazer científico, não podem ser agregadas ao nome PSICOLOGIA, PSICOTERAPIA e CIÊNCIA. Reconheço, com certa veneração, o papel social e até mesmo de saúde pública que essas técnicas ocupam no dia-a-dia do cidadão comum e, portanto, acho fundamental que a ciência investigue melhor esses fenômenos


Lembrem-se que não estamos historicamente tão distante assim dos curandeirismos, pois na Europa medieval, pré revolução científica, a maneira como a sociedade tratava as pessoas com distúrbios emocionais era através de "terapêuticas cristãs" macabras como exorcismos, torturas, banhos, interrogatórios, etc. A quase totalidade dos distúrbios emocionais eram vistos como "obra do demônio". A cura? FOGUEIRA!

Transtorno histriônico? Não! Obra do capeta!
A Psicologia, enquanto ciência, não trata a hipótese
do "demônio" como uma possibilidade. Quem faz isso é a religião.
"Espíritos obsessores" podem causar problemas mentais?
Uma hipótese espírita, e não da Psicologia (ao menos, por enquanto)

É compreensível que muitos estudantes e simpatizantes, ao se aproximarem da Psicologia, acreditem (baseados no senso comum) que a Psicologia seja uma ciência que estuda a "alma". Isso é um equívoco comum, mas grave, pois o próprio conceito de "alma" é religioso, e não científico. Em ciência, por um cuidado natural, não falamos de "alma", mas de "consciência" - e ainda assim continuamos em um campo problemático (já diria David Chalmers). Talvez, o termo "consciência" esteja, cada vez mais, sob o julgo dos processos cognitivos - esses sim mais diretamente acessíveis à investigação científica.

Historicamente, a necessidade de objetivação no campo da Psicologia levou os estudiosos a otimizarem o objeto de estudo da Psicologia até chegarem ao "comportamento, aos processos cognitivos e à neurociência". Estas são as áreas mais óbvias e usuais da psicologia contemporânea. Frente a essa exigência "cientificista", muitos questionam se a psicologia se tornou "reducionista", "materialista", não tratando o homem como um "ser integral", etc. Cuidado, pois é aqui que começam a misturar jargões acadêmicos com orientações e pensamentos do senso-comum. Todo cuidado é pouco.

De outro lado, há um forte razão nessa crítica ao fisicalismo.  Sendo o fisicalismo uma opção filosófica, e não uma verdade inquestionável, precisamos ter o cuidado de não utilizá-lo como uma "metafísica a favor do naturalismo" (biologicismo). Em ciência não questionamos o poder heurístico do fisicalismo afirmando que "o vizinho enxerga espíritos", "o avô cura os parentes com "banho de ervas"" ou que "Chico Xavier falava com um espírito chamado 'Emmanuel'". Criticamos o fisicalismo demonstrando que muito do fazer científico contemporâneo carrega, "embutido", e sorrateiramente, bases fisicalistas que entopem o discurso científico de pretensões que, per se, não pertencem à ciência, mas sim à filosofia.

sorriso amarelo de alguém que
sabe biologia, mas não ciência!
Tal modelo filosófico, norteador usual da práxis científica dos dias de hoje, ao invés de servir como um guia, serve como um instrumento de alienação e poder. Um poder frouxo, desinteressante para o cientista com formação sólida em filosofia da ciência, mas tolamente real para o cientista alienado (leia-se: sem a mínima formação filosófica!) 

São esses cientistas que lançam frases de efeito toscas, louvadas pela mídia, onde a confusão entre metafísica e ciência dá o tom da notícia. Exemplos: "tudo o que existe é matéria, portanto, Deus não existe"; "para a ciência, ver ou falar com espíritos é doença mental, e nada mais". Esses são alguns exemplos de "discurso científico" que não é ciência, e sim metafísica.



E onde entra a Psicologia Transpessoal nisso tudo? rs!

Pois é, a ladainha era necessária. Entenderão o porquê.

A verdadeira Psicologia transpessoal, de base científica, é aquela que pretende investigar fenômenos "transpessoais", ou seja, que fogem da esfera de investigações corriqueiras da "psicologia do ego" - do "pessoal" - (ver a crítica dos humanistas), utilizando teorias e métodos adequados ao procedimentos da ciência estabelecida. A chamada "Psicologia transpessoal" surge com o objetivo de ampliar a observação sobre uma série de fenômenos que participam da experiência humana e que foram, progressivamente, negligenciados pelo viés fisicalista que conduziu a ciência moderna.

Como eu já apontei, a ciência está aberta à investigação de todo e qualquer fenômeno, DESDE QUE seja possível explorá-lo através de um método adequado e de uma teoria bem elaborada e falseável. Portanto, mesmo "iridologia", "mapa astral", "preto-velho", "médiums", etc podem ser alvos de investigação científica, desde que submetidos a estes padrões mínimos de controle científico, e tenham resultados publicados para uma comunidade (acadêmica) avaliar. Entretanto, como nosso treinamento em filosofia da ciência é, em geral, muito tosco, quando falamos de temas poucos usuais para o meio acadêmico, o que encontramos é um sorriso amarelo de quem "fala demais por não ter nada a dizer" (como o do Dawkins, por exemplo)

Transpessoais ?
Voltando à "Psicologia Transpessoal", podemos afirmar que ela emergiu por força de um contexto não exatamente "acadêmico", mas como resultado de uma miscelânea envolvendo curiosidade, literatura oriental, movimento hippie, psicodelismo e método científico. O caso do psicólogo Thimoty Leary exemplifica bem o que estou dizendo. Quando vamos desbravar essa faceta da Psicologia, precisamos ter muito cuidado e escolher, devidamente, autores que dominam o método científico e a linguagem acadêmica. Infelizmente, no Brasil, o campo é pouco explorado nas faculdades (exatamente porque há preconceito e professores mal preparados para debater o tema).

Enfim, em língua portuguesa há pouca literatura de qualidade sobre o tema. A maioria são livros introdutórios que pecam, em muito, na qualidade científica. Vera Saldanha é uma pesquisadora da ALUBRAT, doutora pela UNICAMP, que produziu um texto introdutório para estudantes.

No site da ALUBRAT os interessados podem encontrar a tese de doutorado da Dr. Vera Saldanha.

Posso afirmar, outrossim, que a psicologia transpessoal PRETENDE ser um campo sério (apesar das muitas bobagens que são repetidas e publicadas sob esse título). Admito, contudo, que a terminologia se encontra desgastada, e acho até meio brega hoje em dia utilizá-la, a não ser para revisões históricas. Outros campos afins parecem mais promissores, como a psicologia anomalística e os estudos sobre "saúde e espiritualidade", por exemplo. Psicologia anomalística? Existe isso? SIM! Não sabe o que é? Te digo: 

mediunidade: patologia ou
 fenômeno autêntico? (clique)


Considera-se uma experiência alegadamente anômala aquela que apontaria para um processo de interação entre os indivíduos, e entre esses e o meio, caracterizado por sua aparente inexplicabilidade dentro dos quadros teóricos do mainstream científico. "Experiências anômalas ou 'paranormais' são definidas, ainda, como experiências incomuns, irregulares, ou que, apesar de poderem ser vivenciadas por uma parcela substancial da população, são interpretadas como desviantes da experiência ordinária ou das explicações geralmente aceitas para a compreensão da realidade" (Cardeña, Lynn & Krippner, 2000). 


Para uma leitura mais elaborada sobre psicologia transpessoal, esse livro continua sendo um dos melhores. Sobre psicologia anomalística, esse livro é o mais recomendado. Percebam que os dois livros são em inglês.

continua sendo um dos melhores livros sobre o tema (em inglês somente)

PS1: A Psicologia Integral, de Ken Wilber (que nega ser transpessoal), é um novo campo teórico, herdeiro da psicologia transpessoal, que merece alguma atenção. O livro de Wilber, Eye to Eye, possui boas reflexões sobre o tema.

PS2: O link sobre psicologia transpessoal do wikipedia Brasil está uma porcaria, fruto de algum pesquisador mal treinado e preconceituoso. Duvido que ele conheça algum dos livros que citei.

2 comentários:

GGB disse...

Muito bem, Tiago. Seu texto é muito pertinente.

Infelizmente, há uma enorme penetração das práticas pseudocientíficas e assumidamente "alternativas" (não-científicas) sob o guarda-chuva da Psicologia Transpessoal.

A meu ver, um dos problemas centrais é aquilo que William James, mais de 100 anos atrás, já percebera; nas palarvas de Alexander de Almeida e Francisco Lotufo Neto: "[James] lamentava o paradoxo no qual os indivíduos mais capacitados para investigarem o tema (os cientistas) se recusavam, enquanto aqueles que vivenciam os fenômenos adotam uma postura de aceitação ingênua e irrefletida". (fonte: http://goo.gl/325Bd )

De um lado, o cientificismo preconceituoso recusando-se e até impedindo o aprofundar da pesquisa no tema; de outro, a reprodução de práticas que misturam fenômenos potencialmente reais com interpretações mágicas e dogmáticas.

No mundo dito "pós-moderno", há uma ampliação desse problema, quando a pseudociência se apropria de áreas de vanguarda para impor um discurso de legitimação. É o caso dos "quânticos", que querem provar Deus, reencarnação, mediunidade, telepatia e outros fenômenos com a física quântica. Melhor dizendo: eles AFIRMAM que a física quântica JÁ PROVOU esses fenômenos, o que é absolutamente mentiroso. Para demonstrar isso, usam extrapolações absurdas e dados errados, como fica evidente no trabalho de Amit Goswami e no infelizmente famoso documentário (?) "Quem somos nós".

Sou um entusiasta das pesquisas psíquicas e não acredito em interpretações reducionistas do cosmo, mas o pensamento pseudocientífico me parece ser uma opção ainda pior.

Acredito que a necessidade seja daquilo que Ken Wilber chama de uma ciência ampla (ele está longe de ser o primeiro a propor isso; centenas já o fizeram, mas eu o cito aqui porque coloca essa proposta em um discurso atualizado). Vi que você o cita em outros artigos no blog. Teve oportunidade de ler suas obras mais recentes? Indico fortemente. Tenho algumas críticas ao trabalho dele, mas de forma geral o modelo que ele propõe é extremamente promissor.

Devo dizer que me afastei das pesquisas com "fenômenos psi" (ainda se usa essa expressão?) há algum tempo. Gostaria de algumas indicações suas de publicações e estudos sérios nessa área, especialmente sobre os temas de mediunidade, telepatia e reencarnação. De preferência, acessíveis virtualmente.

Um abraço,
Giovanni Gigliozzi Bianco
giovanni [arroba] gigliozzi.com

Unknown disse...

Obrigado Giovanni. Sobre o Wilber, minha dissertação de mestrado foi sobre sua teoria de integração entre ciência e religião. A dissertação está na internet, é pública, pois a realizei em uma instituição federal.

Quanto à psicologia transpessoal, concordo contigo - há muita intrusão não científica no campo. Deste modo, quando falo o campo transpessoal hoje em dia, o faço apenas por questões históricas. Prefiro os estudos da "Psicologia anomalística", um campo recente. O Alexander Moreira-Almeida, que você citou, é meu amigo e orientador de doutorado da minha esposa. Um pesquisador fantástico. Os estudos dele você consegue no site do NUPES-UFJF.

No mais, concordo com tuas críticas!

O melhor estudo no momento é o VARIETIES OF ANOMALOUS EXPERIENCE, mas, até onde sei, só importando o livro mesmo!