Vamos continuar o quiprocó? Bem, recomendo que todos leiam a parte 1 dessa discussão primeiro. Caso contrário, podem não compreender a linha de raciocínio que desenvolvo aqui. O post é grande, mas valioso.
O alvo da minha discussão hoje é o trabalho do psicólogo Antonio Veiga
Antônio Veiga é mestre em Psicologia Clínica, pela PUCRS. Atualmente, é Diretor do Instituto de Psicologia Clinica e Pesquisa no Desenvolvimento Humano e Professor de Pós-Graduação. O ensino tem como foco seu método de terapia de revivência transpessoal (TRT), a partir de uma técnica, também própria, de regressão de memória. Seu estudo envolve um levantamento minucioso das possibilidades psíquicas (mentais, emocionais, intuitivas e somato-sensoriais) do ser humano através de diferentes estados ou graus de consciência. Já nos momentos de folga, prefere escrever crônicas e dedicar-se à sua coleção de minerais.
Análise:
De antemão, vejam a descrição do professor Veiga. Acho, particularmente, bem construída, ponderada. Não se fala em "alma", "espírito", etc. Ou seja, começa bem! rs. Quando fala em "possibilidades psíquicas" é mais ousado, mas, mesmo assim, ele não se deixa perder (Charles Tart e Kripnner utilizam a mesma nomenclatura). O tema: "graus de consciência" também é alvo de estudos científicos há tempos (vigília, sono, sonho, estados meditativos, transe, etc). A princípio, ele não fala em VIDAS PASSADAS, como vocês podem ver. O mestrado pela PUC-RS merece respeito também. Fora isso, eu sei que o professor Veiga auxiliou a construção de cursos de psicologia e pós-graduação em algumas instituições.
Técnicas de regressão de memória não são novidade nas ciências da saúde, sendo clássicas as descrições das tentativas freudianas (charcotianas??) com o método. Outrossim, várias técnicas de hipnose ainda são utilizadas em modelos psicoterápicos (como Milton Erickson) e procedimentos odontológicos/médicos.
Existem estudos científicos bem feitos sobre o tema, basta uma pesquisada com a palavra "hypnosis" no Pubmed que você verá mais de 12.000 resultados. O mesmo vale para os estudos sobre placebo (Herbert Benson). Ainda assim, tais temas são alvos de inúmeros preconceitos. Não duvido que existam pesquisadores, até hoje em dia, que afirmam que não há estudos sobre a eficácia da hipnose e outras técnicas de regressão de memória (só 12.000 segundo o pubmed!!!!). Histórico da utilização da Hipnose, aqui.
"Líder espiritual" que faz regressão de memória |
Não posso negar, contudo, que existe muita coisa duvidosa, do ponto de vista da mensuração e eficácia científica, quando falamos em técnicas alternativas ou "transpessoais". Já bati nesta tecla em outros posts e acredito que este "mercado transpessoal" está mais repleto de charlatanismo do que pessoas comprometidas com o rigor acadêmico. Fico sempre cético quando leio coisas do tipo "líder espiritual", "médico da alma", " etc. Veja o perfil dessa personalidade que se intutila "líder espiritual" - Amadeu Wolff. o Sr. Wolff possui um grande site na internet que mescla informações científicas, pseudo-científicas e esoterismo. Nada contra o Sr. Wolff - é possível até que seu método seja benéfico para as pessoas, porém, sou muito CÉTICO com essa mistura de new-age com pseudo-ciência. Desejo sucesso ao grupo do Sr. Wolff, mas desejo igualmente que submetam seu método à análise científica.
Não que a ciência seja a resposta para todos os nossos problemas, ou, pior ainda, que a ciência fale sobre a VERDADE (quem faz isso é a filosofia ou a religião dogmática). Creio que temas limítrofes, como hipnose, regressão de memória, etc - ou seja - temas que tocam nos meandros que dividem ciência, religião e espiritualidade podem se enriquecer mutuamente. Eu acreditarei sim na eficácia de determinada "técnica transpessoal" desde que essa seja avaliada por uma comunidade científica eclética e bem informada sobre o tema. Com o acúmulo dos estudos (de bons estudos) poderíamos dizer se realmente tal técnica deve ser divulgada e utilizada amplamente. Antes disso, cuidado.
Mas, voltemos ao Sr. Veiga.
Ok! regredir a memória, tudo bem. Mas te digo: "regredir até onde?" - se a resposta for: "até os primórdios do desenvolvimento psíquico - infância - etc - ok". Agora, se a resposta for: "até uma vida passada" - OPA!!! Vidas passadas? Isso sim é um tema bem pouco estudado - ou seja - um tema sobre o qual temos pouco a dizer CIENTIFICAMENTE. Eu sei que, do ponto-de-vista esotérico, muito pode ser dito sobre "vidas passadas". Porém, minha alçada aqui é a ciência, e não o esoterismo.
Esoterismo e ciência são coisas MUITO DIFERENTES ! |
Neste âmbito, pergunto: "Que tipo de regressão de memória o prof. Antonio Veiga está falando? Infância? Vidas passadas?". Vamos analisar com a calma que o assunto merece, à partir de uma entrevista que o mesmo concedeu aqui: http://pt.scribd.com/doc/42305993/Terapia-Transpessoal
Veiga define seu método como TRT (Terapia de Revivência Transpessoal), e assim o define:
A TRT é um modelo psicoterapêutico catártico, que tem por objetivo drenar a carga emocional reprimida no inconsciente, em tempo próximo ou remoto, responsável pelos transtornos que geram sofrimento na vida presente do indivíduo, possibilitando a ampliação da consciência sobre as reais causas que originaram tais transtornos. É mais uma variável agregada aosprincípios da Psicologia Transpessoal.
Fica claro, nessa definição, que é um método de inspiração psicodinâmica, pautado nas definições freudianas a respeito do inconsciente. Freud, inclusive, utilizou a hipnose com fins catárticos durante algum tempo, abandonando posteriormente o método pela "cura pela fala".
A partir daqui, a coisa começa a complicar:
Dentro do aporte da Psicologia Transpessoal, onde foram rompidos os véus limitadores de tempo e espaço, a morte não existe. Apenas o corpo físico morre, e mesmo assim, apenas atomicamente se transforma. Aquilo que consideramos como sendo o inconsciente, ou a energia, ou o espírito ou até a alma, se quiserem, nunca morre e, por redundância, nunca nasce. Essa energia que caracteriza a essência do ser humano é imortal e é nessa energia que estão registradas todas as informações que foram se acumulando ao longo do infinito, transcendendo o entendimento banal. Isso quer dizer que o homem é resultante de sua própria história, fruto de um somatório incomensurável de fatos percebidos e sentidos, necessidades gratificadas e frustradas, que originaram lembranças hoje esquecidas ou sentimentos hoje reprimidos, como o ódio contra aqueles que lhe infligiram a dor, bem como a culpa de ter infligido essa mesma dor aos seus semelhantes. Aqui começa o entendimento do termo “outras vidas”, tão associado ao termo “Regressão de Memória”.
E continua...
O pressuposto de “outras vidas” dá, em um primeiro momento, uma impressão reducionista ao paradigma da Palingenia, ou do fenômeno da reencarnação. Isso é um equívoco de interpretação,principalmente por aqueles que estão desinformados das variáveis estudadas pela Psicologia Transpessoal. Existem aproximadamente vinte e quatro teorias catalogadas que estudam e tentam explicar a situação surpreendente de uma pessoa verbalizar, em estado alterado de consciência, histórias como sendo vividas por ele mesmo em “outras vidas’. Pode não ser reencarnação ! Pode ser influência do Inconsciente Coletivo, herdado dos antepassados, segundo Jung ! Pode ser a Memória Genética, que adquirimos pela hereditariedade ! Pode ser que nosso cérebro capte hologramas antigos, emitidos por povos de outrora ! e assim por diante ! Pode ser também a Reencarnação, por que não ?
A verdade é que muitos psicólogos que trabalham com a chamada “Regressão de Memória”, não aceitam a teoria reencarnacionista e os resultados psicoterapêuticos são os mesmos em relação àqueles que a aceitam. O que não se pode negar que a Teoria Palingênica é admitida por três quartas partes da humanidade, bem como é aquela que mais oferece literatura específica, bem como também é a mais estudada ao longo da história da filosofia, das religiões, do ocultismo primitivo, da parapsicologia e de estudos modernos. Particularmente, tendemos a aceitar a teoria da reencarnação, como poderíamos aceitar qualquer outra que fosse mais plausível ao nosso universo cognitivo. Nossa crença pessoal, por ser de foro íntimo e um direito que a cidadania nos dá, está isenta de críticas alheias; se fôssemos católicos, teríamos a crença de ser católico; se fôssemos espíritas, teríamos a crença de ser espírita; se fôssemos ateus, teríamos a crença de ser ateu ... Já atendemos religiosos, padres, pastores e também ateuse a eficiência do método não se alterou. Para muitos, aceitar a teoria reencarnacionista é se atrelar à doutrina espírita, mas esse é outro equívoco. O paradigma da reencarnação foi adotado pelo espiritismo há pouco mais de 150 anos; a crença na reencarnação existe há milhares de anos. A crença em qualquer paradigma por parte do terapeuta, assim como a crença em qualquer paradigma por parte do paciente, dentro de qualquer teoria psicoterápica, não devem se misturar dentro do processo clínico, caso contrário seria anti-ético. Isso posto, falar em “outras vidas” é transpessoalmente incorreto. O que existe é vida, sem começo e nem fim, sem interrupções pela perda do corpo físico e nem pela aquisição de outro. Por essa razão, falar de “Regressão de Memória a Outras Vidas” é uma redundância equivocada que não expressa a realidade. Eis o motivo pelo qual, preferimos o termo REVIVÊNCIA em substituição ao anterior. Ninguém regride a “outra vida”, apenas Revive o que está registrado em seu inconsciente aqui e agora, no presente de sua vida atual. E, evidentemente, Revive os fatos e emoções que envolvem os eventos traumáticos passados, quando o inconsciente de agora pressupostamente, estavam em outros corpos ou matérias. Regredir simplesmente para tomar conhecimento dos fatos não é salutar e pode até trazer prejuízos ao equilíbrio presente; é necessário Reviver intensamente os fatos para esgotar a carga emocional que os envolve, pois os transtornos sofridos hoje não são resultados desses fatos, mas das emoções subjacentes. E, após Reviver essas situações, é possível identificar o Mandato, o Script, a Programação, o Decreto, feito no momento traumático, por exemplo: “Sempre serei um inútil”, ou “Sempre serei infeliz”, ou “Nuncamais irei falar em público”, ou “Não mereço amar e ser amado”, etc. Somente após drenar as emoções que encobrem os Mandatos será possível Reprogramar, Remodelar, Reescrever, Reformular tais Mandatos através de um registro mais sadio, estabelecendo novo roteiro de vida.
Mais a frente, diz:
[...] Se partimos do pressuposto que o inconsciente é imortal, que essa energia que nos caracteriza como indivíduo e que caracteriza todas as coisas, sempre existiu, podemos imaginar quão longa é a vida. Rompendo as fronteiras do tempo e espaço, cada um de nós já vivenciou um infinito de situações, em muitos corpos diferentes e até além de humanos, tais como animais, vegetais e minerais. Todas as vivências, boas e más, traumáticas ou não, trouxeram aprendizagem e contribuíram, de uma forma ou de outra, para fazer o indivíduo que somos hoje. O hinduismo traz uma frase a esse respeito, dizendo: “A alma dorme nos minerais, desperta nos vegetais, se agita nos animais e evolui no homem”. [...]
[...] Realmente, cada indivíduo traz dentro de si uma bagagem incomensurável de experiências e informações, que foram se acumulando através dos milhões ou até bilhões de anos. Somos seres cósmicos universais e infinitos ! Aí está o grande valor de uma vida e a razão pela qual a maioria das bíblias e códices sagrados dizem que todos nós somos um só. O que nós fizermos para um, estaremosfazendo para todos, de bem ou de mal.[...]
E, como você já pôde observar, se é que ainda está lendo, o sr. Veiga adotou, de vez, um vocabulário absolutamente esotérico. Creio eu que os amigos mais céticos já não estão lendo esse texto, pois desistiram há dois ou três parágrafos atrás. Realmente, ele começou "segurando a barra", evitando falar em "alma", "consciência cósmica", "o Uno", "vidas e mais vidas no Cosmos", etc...mas desgringolou.
e continua...
[...] A doença talvez seja o grande professor que se dispõe a ensinar a mais sublime das missões: transformar e transformar-se, amar e ser amado, evoluir e auxiliar na evolução dos outros. A doença é um ponto de mutação, a partir do qual a vida pode ser modificada para melhor. Ninguém muda um processo de vida porque é feliz; muda porque não suporta mais o estado deplorável que está vivendo, muda porque está sofrendo. Curar a doença por meios exógenos é provocar um mal maior do que a doença parece representar . Fazer a leitura cósmica e transpessoal de uma doença, sem se preocupar com ela em si, é o que leva à verdadeira cura. Temos milhares de casos para comprovar tal assertiva. [...]
Uma "leitura cósmica e transpessoal da doença" é algo que eu realmente gostaria de ver sendo submetido ao rigor da ciência. Espero, de coração, que a ciência se interesse e faça investimentos nessa área. Mas, por enquanto, com um linguajar desses, estamos mais próximos de Divaldo Franco (famoso divulgador do espiritismo) e sua Joana de Ângelis (espírito que ele supostamente incorpora e que é dotado de conhecimento sobre psicologia junguiana).
Muito do que o Sr. Veiga fala aqui e no restante da entrevista receberia aplauso dos budistas e espíritas. Eu não posso recriminá-lo, já que ele afirma e eu conheço pessoas que foram favorecidas pelo seu método. Se ele está ajudando pessoas a ser tornarem pessoas melhores, mais saudáveis e felizes, que bom.
Questionado sobre se o seu método pode ser considerado científico, o Sr.Veiga diz: "Talvez sim, talvez não!". Eu diria que NÃO, até que seja submetido ao rigor acadêmico. Faltam pesquisas para averiguar muitas das afirmações que o Sr. Veiga coletou em sua experiência particular com os pacientes. Fora isso, seu referencial teórico está obnublado por tópicos espiritualistas, incompatíveis com o desenho que uma pesquisa exigiria nos dias de hoje.
Questionado sobre se o seu método pode ser considerado científico, o Sr.Veiga diz: "Talvez sim, talvez não!". Eu diria que NÃO, até que seja submetido ao rigor acadêmico. Faltam pesquisas para averiguar muitas das afirmações que o Sr. Veiga coletou em sua experiência particular com os pacientes. Fora isso, seu referencial teórico está obnublado por tópicos espiritualistas, incompatíveis com o desenho que uma pesquisa exigiria nos dias de hoje.
Agora, preciso salientar que muito do que o Sr. Veiga diz não encontra respaldo nas evidências científicas atuais. O discurso do Sr. Veiga passa, EM MUITO, aquilo que seria academicamente responsável afirmar. Ele faz isso porque fala de seu ponto de vista pessoal, e eu o compreendo. Mas, cientificamente, não podemos dar status de VERDADE a esses fenômenos.
Outrossim, podemos ver avanços significativos nessa área. As pesquisas sobre EQM (Experiência de Quase Morte), por exemplo, estão evoluindo metodologicamente de maneira paulatina e responsável. Métodos de investigar "vidas passadas", como feito por Stevensson, estão sendo re-avaliados e implementados por pesquisadores como Haraldson e Tucker.
Afirmações budistas sobre a mente e suas possibilidades estão sendo estudadas por técnicas de neuro-imagem modernas, e podem contribuir para a melhor compreensão destes estados alterados de consciência. Teoricamente, avanços sobre os estudos mentais, como aqueles feitos por Varela e Thompson podem indicar novos caminhos na ciência da cognição.
Enfim, desejo sorte ao Sr. Veiga e espero que, num futuro próximo, a ciência possa encontrar evidências seguras de que seu método é, de fato, valioso.
Segue uma palestra do Sr. Veiga no TED TALKS
Segue uma palestra do Sr. Veiga no TED TALKS
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