14.7.11

Sexualidade do ocidente e do oriente através dos desenhos

Interessante devaneio de um colega internauta sobre sexualidade: tabus, ocidente x oriente, preconceitos, androginia, sexualidade feminina, homosexualidade, fetiches, etc

ORIGINAL EM: http://members.fortunecity.com/elbereth1/Sailormoonp3.htm

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A silenciosa revolução sexual de Sailor Moon (III)





Esta página é a terceira de uma série que trata da visão feminina nos mangás e animes, especialmente em Sailor Moon. Se você chegou direto a esta página, recomendo que você leia antes as primeiras partes ou algumas coisas podem não ficar muito claras. Vá até lá clicando AQUI.

Aviso: Se você acha que desenho animado e assuntos "de adultos" como erotismo e sexualidade não combinam, não se dê ao trabalho de ler esta página até o final. Não há nada de imoral ou "sacana" por aqui, apenas uma discussão séria de como tais temas são tratados mais ou menos abertamente em mangás e animes ao contrário do que acontece na sociedade ocidental. Caso esteja a fim de ler sobre isso, seja bem vindo e prossiga sem medo. Caso contrário, tenho certeza que você vai achar algo mais interessante na página do Índice.)


A Auto-crítica

À primeira vista, muita gente (e eu entre eles) conseguem apenas ver a superfície do enredo romântico e das patetices de Sailor Moon. No entanto, uma segunda olhada mais atenta deixa ver o quanto de crítica Naoko Takeuchi empresta ao seu trabalho. Todos os clichês românticos dos shoujo manga, das novelas de TV e das revistas de fotonovelas estão lá, apenas ampliados de tal maneira que se tornam patentemente ridículos. Vamos ver alguns deles.
Comecemos pela roupa das sailors: li em algum lugar que quando Takeuchi submeteu o esboço da série ao editor pela primeira vez ele disse que era ridícula a idéia de meninas salvarem o mundo vestidas de marinheiro e com aquelas mini-saias. No entanto, é exatamente isso que faz a graça da série. Heroínas que se vestem desse jeito não podem ser levadas a sério, o que abre espaço para que elas oscilem loucamente entre os comportamentos de super-heroínas e estudantes do primeiro grau. Até mesmo Amy, sempre tão séria, solta uma bobagem de vez em quando.



Porém, a auto-crítica não chega a ser por demais agressiva ao ponto de tirar a credibilidade das heroínas. Ao mesmo tempo, segundo o ponto de vista feminino, as roupas são bonitas e ressaltam as personalidades das sailors, principalmente os acessórios, como sapatos e brincos: vejam como os sapatos de salto alto de Raye realçam seu estilo clássico, enquanto as botinhas amarradas de Lita sugerem a sua praticidade, que é contrabalançada, porém, por seus brincos em forma de rosa (mulheres gostam de tais detalhes nas obras dedicadas a elas, basta ver o sucesso de qualquer item da moda que apareça nas novelas da TV e o cuidado dispensado às roupas de Sakura Card Captor...). Além disso, as transformações são uma festa de delicadeza, principalmente a de Sailor Moon na primeira fase do anime,  quando fitas cor-de-rosa envolvem o seu corpo e dão origem ao seu uniforme - tanto que se tornou uma cena clássica de transformação de heroínas, sendo revisitada, por exemplo, em Corrector Yui.

Outro ponto que chama a atenção é a figura de Tuxedo Mask. Ele é o protótipo do herói dos romances baratos, vestido a rigor  (uma roupa ainda menos prática do que a das sailors quando se trata de lutar...), completo com capa, bengala e aquela cartola que deve ter sido feita na mesma fábrica do chapéu de Indiana Jones, já que ambos nunca caem mesmo após várias cambalhotas. E não nos esqueçamos da máscara, que recria o mito do protetor desconhecido tão presente nas HQs. Mas o ápice de tudo são as frases melosas e quase sem sentido que ele diz quando salva a situação - com uma música pseudo-espanhola ao fundo, acentuando ainda mais o seu "poder de sedução". É tudo hilário demais! 

Porém, tudo isso não chega a ser tão escrachado que destrua totalmente a ilusão do momento romântico e do homem culto e refinado, tanto que no começo eu mesma chegava a me irritar com o comportamento "over" do personagem. Apenas muito tempo depois, vendo as outras fases da série e como as falas de Tuxedo Mask iam ficando mais e mais absurdas, é que eu percebi a ironia e o escracho. O pior é que a gente pode realmente encontrar falas parecidas nos romances baratos que as moças costumavam ler (tipo Sabrina ou Bianca), só que levadas a sério naqueles contextos!...

Mais um ponto de auto-crítica é o romantismo exagerado que  permeia a série, principalmente por parte de Serena e, mais ainda, de Lita, que vê em cada homem alguma coisa que lembra um antigo namorado e conseqüentemente a faz apaixonar-se repetidamente em um piscar de olhos. Serena diz que só tem olhos para Darien, mas sempre acaba flertando com mais alguém - o que leva aos protesto indignados de suas amigas, porque, afinal, ela já tem um namorado, enquanto as demais ficam "sobrando".
Esse romantismo desmedido, a idealização do parceiro perfeito, a espera do grande amor, os ciúmes, a incerteza e o medo de perder a pessoa amada são, no entanto, as questões mais importantes para a faixa de idade a que se destina a série e sua exposição de uma maneira leve mas consciente certamente foi crucial para o sucesso da série entre as mulheres de vários países. No entanto, ainda há um elemento incrivelmente marcante em Sailor Moon que conseguiu atravessar inúmeras barreiras de censura e expor questões até então pouco vistas nas bandas ocidentais: a expressão da sexualidade feminina. 

  A sexualidade no Ocidente 

É interessante ver como a visão da sexualidade feminina tem evoluído no Ocidente. Na Idade Média, a figura da mulher oscilava entre a santa mãe (calcada na figura da Virgem Maria) e a fonte de todo o mal (na figura de Eva e sua nefasta influência sobre Adão). Como não era possível conciliar as duas idéias completamente antagônicas, as mulheres tinham que escolher o seu lado: ou se tornavam moças "pra casar", puras e praticamente assexuadas (a não ser no dever de dar filhos ao marido, mas isso pouco tinha a ver com sexualidade, e sim apenas com a procriação e a conservação da espécie) ou se tornavam "libertinas", "cortesãs", "prostitutas" - isto é, mulheres que serviam à diversão dos homens (como uma profissão) ou que "cediam aos seus impulsos malignos" e eram excluídas da sociedade respeitável (o que ainda hoje acontece muito. Só como ilustração, há alguns anos eu estava num ônibus e passamos por uma rua onde havia várias prostitutas "fazendo ponto" no meio da tarde. Um homem que estava sentado ao meu lado comentou algo sobre "essas mulheres perdidas" ou coisa assim. Eu então disse que, se elas não tivessem "clientes" que as procurassem, elas não estariam ali, e que se os homens não pagassem por sexo não existiria mais prostituição no mundo. Não é que o cara ficou furioso comigo? É fácil pensar que outras pessoas são "decaídas" por natureza, mas ninguém quer pensar no quanto faz parte dessa história, não é?...).


Com o progressivo enfraquecimento da Igreja como força governante, o crescimento do secularismo nas diversas instituições sociais e as mudanças causadas pela Revolução Industrial, os dois pólos da "mulher pra casar" e "pra diversão" começaram a ficar menos nítidos. Já se admitia que as mulheres pudessem desenvolver algum sentimento de afeição pelos seus parceiros e que vissem o ato sexual não apenas como um dever, mas também como algo do qual poderiam participar um pouco mais ativamente. 

Mas, ainda assim, a questão da sexualidade feminina permanecia envolta nas névoas de noções como "amor", "romantismo", "pureza", "abnegação", quando se pensava em relacionamentos com homens mais velhos, potenciais candidatos a marido. O que dizer então de relacionamentos impensáveis, como ter um relacionamento com um homem mais jovem, ou mesmo interessar-se por alguém do mesmo sexo?

Não passava pela cabeça dos homens que as mulheres tivessem uma sexualidade como a deles (e também pela das mulheres, que não sabiam o que fazer com aqueles sentimentos "impuros" que não conseguiam evitar) . Mesmo Freud acreditava que as mulheres não tinham libido (i.e. desejo sexual) e qualquer mulher que ousasse mostrar um pouco de seus desejos era considerada "histérica"! Apenas nos anos (19)60, com o movimento da contra-cultura e o surgimento dos anticoncepcionais, a revolução sexual, apoiada por pesquisas científicas e sociológicas, provou que as mulheres possuem sim uma sexualidade própria e poderosa, apenas reprimida, desviada ou sublimada por séculos de repressão moral e social.

Bom - dizemos nós - agora, então, tudo bem, ninguém mais vai precisar se reprimir e as mulheres vão ser livres para se expressar sexualmente, não é? Ledo engano! Ainda estamos lutando (homens e mulheres) para nos libertar de toda a carga de séculos de negação da sexualidade em geral e da feminina em particular. Racionalmente, admitimos que a sexualidade faz parte do ser humano e que é saudável reconhecê-la e permitir-se vivenciá-la. Não sofremos mais com sanções sociais radicais que nos desencorajam a fazê-lo (como nas sociedades nas quais mulheres que têm relacionamentos sexuais fora do casamento são sumariamente executadas), mas ainda assim nos sentimos perdidos (homens e mulheres) quando pensamos no que fazer com toda essa "liberdade". Por que isso? Bem, porque sociedades moldadas por séculos de repressão não podem ser modificadas em algumas décadas e porque há uma imensa inércia social nas mudanças de valores e, principalmente, nas mensagens subliminares (ou nem tanto) enviadas aos indivíduos pelas diversas instituições da sociedade.

Assim, embora a mulher ocidental tenha hoje em tese toda a liberdade do mundo, ela ainda luta contra conceitos arraigados no seu subconsciente, onde a dualidade da santa/pecadora ainda é reforçada diariamente pelos meios de comunicação, pela(s) Igreja(s) e pela quase completa falta de noção dos pais de como mostrarem aos filhos que a sexualidade é algo completamente normal quando eles mesmos acreditam no contrário, ao mesmo tempo que desejam proteger seus filhos de problemas inerentes à vida sexual, como doenças sexualmente transmissíveis, gravidez indesejada e, é claro (quando se investe algum sentimento mais platônico no relacionamento), corações despedaçados. 

A sexualidade no Oriente

Parece incrível, mas o relacionamento da mulher oriental com sua sexualidade parece ser mais livre e menos problemático que o da mulher ocidental. Isso nos parece contraditório, porque nos acostumamos a ver a mulher oriental como submissa e sem voz no contexto social. Os papéis sociais dos dois sexos nas sociedades orientais certamente são bem demarcados e a mulher parece ainda levar grande desvantagem no que se refere à sua participação na vida econômica e política (bom, para falar a verdade, não acho que a coisa esteja tão diferente por aqui, onde a mulher pode trabalhar, sim, mas deve continuar a fazer todo o trabalho da casa, ganha menos que um homem na mesma função e geralmente não atinge os cargos de chefia...).

No que se refere à sexualidade, no entanto, sem a força repressora do sexo que foi/é a Igreja cristã, a sociedade oriental sempre foi muito mais livre e natural que a ocidental. As religiões e filosofias orientais baseiam-se sempre no equilíbrio e complementaridade entre princípios opostos, simbolizados principalmente pelo "feminino" (yin) e "masculino" (yang). Nas filosofias orientais, os dois princípios têm o mesmo status, um não é mais importante do que o outro, mas eles são diferentes, têm funções diferentes e comportam-se de modo diferente, de acordo com sua natureza. É por isso que, no oriente, não se entende a idéia de homens e mulheres como iguais, porque eles não são - e não podem ser - iguais, ou isso destruiria a dialética e a complementaridade. No oriente, mulheres devem agir e pensar como mulheres e homens devem agir e pensar como homens - o que acontece é que o que se espera de homens e mulheres pode mudar (e muda) com o passar do tempo e as transformações da sociedade, de modo que pode aumentar o número de áreas em que não há grandes distinções entre os sexos.

Como homens e mulheres devem conviver e completar-se mutuamente, as religiões orientais não só vêem a sexualidade como algo positivo, mas também lhe atribuem um papel importantíssimo na filosofia e na vida diária. O ato sexual é visto como criador de energia vital, mesmo sem dar necessariamente origem a um novo ser humano. Na religião hinduísta, as divindades masculinas têm sempre suas esposas divinas, que são chamadas shakti, que significa "força" em sânscrito (é isso mesmo, é daí que vem o nome das armaduras de Shurato). É da união com a shakti que o deus retira seu poder total e renova suas forças, ao passo que a shakti cumpre seu papel ao participar na criação do poder do deus - e também obtém uma vantagem poderosa frente a ele, pois sem a participação dela, o deus logo perderia sua força e seu poder!

Assim, nas culturas orientais a sexualidade feminina é claramente reconhecida e mais facilmente abordada. Isso não significa que não haja regras morais rígidas ou sanções para comportamentos considerados menos desejáveis socialmente, mas ao menos a questão é abordada claramente em várias ocasiões, e não apenas entre sussurros e risadinhas nas rodinhas de amigos ou com as palavras sérias de especialistas que falam de sexualidade como se eles mesmos não tivessem nenhuma... Enquanto em nossa sociedade o discurso científico e social é de que a sexualidade é algo normal e positivo, o comportamento social e a tendência a "não falar dessas coisas em público" nos transmite claramente a idéia de que isso não é verdade. E, principalmente, longe de nós discutir abertamente a questão da sexualidade com as crianças! - mesmo quando as apresentadoras dos programas infantis de televisão são modelos loiras de formas sensuais que usam roupas justinhas, dançam com movimentos sinuosos e habitam os sonhos dos marmanjos!...

Por essa razão, ainda nos chocamos quando vemos a sexualidade exposta abertamente em mangás e animes destinados a crianças. Quando esses produtos culturais japoneses chegam ao ocidente, o choque é tão grande que muitas vezes personagens ou enredos que apresentam conotações sexuais são cortados ou "maquiados" na dublagem ou na edição para a TV ocidental. São inúmeros os exemplos de "mudança de sexo" de personagens homossexuais, "cobertura" de partes do corpo expostas, cortes de cenas e manipulação de diálogos inteiros, destruindo a concepção artística e a estrutura original da obra. "Afinal", pensam muitos responsáveis pelas emissoras de TV e editoras, "isso de mangá e anime é só bobagem para crianças, e elas não entendem nada mesmo!" - o que mostra como as crianças são "levadas a sério" em nossa sociedade (e a propósito disso, achei muito bom que alguém como Robin Williams, declarando-se também um fã de Harry Potter, tenha dito publicamente que os livros da série são bons porque tratam as crianças com respeito e inteligência)!
Especificamente no caso de Sailor Moon, o que me surpreende agradavelmente são duas coisas: primeiro, que o anime (e o mangá ainda mais, mas como já disse, aqui eu me refiro só ao anime, porque teve uma repercussão mundial) apresenta a sexualidade feminina de uma maneira extremamente forte e ousada, levantando assuntos delicados de uma maneira ao mesmo tempo sensível e divertida, falando de coisas sérias sem tentar doutrinar o publico. A segunda, é o fato de um anime com um conteúdo tão desbragadamente sexual ter conseguido enganar os censores ocidentais a ponto de que, quando todo o questionamento e o componente sexual em Sailor Moon se tornou claro, a série já fazia tanto sucesso que eles não puderam mais simplesmente ignorá-la.

Vamos ver agora mais detalhadamente alguns aspectos da  sexualidade em geral e mais particularmente a feminina que são apresentados em Sailor Moon. (Daqui para a frente, às vezes vou tratar de alguns assuntos "meio pesados" para algumas pessoas, como estupro e homossexualismo. Nada de mais, já que pretendo tratá-los de forma séria e honesta, mas algumas pessoas podem não gostar dos temas. Assim, se essa não for a sua praia, aproveite o link e volte para a página inicial do Mundo de Elbereth!)

   A sexualidade em Sailor Moon 

Bom, a sexualidade vive em grande parte de fantasias. Sabemos que metade da satisfação que o sexo traz vem mais de como nós encaramos o ato do que como ele realmente acontece: veja-se a quantidade de lojas de lingerie sexy, casas de strip-tease, cursos de dança do ventre, revistas e sites com fotos de pessoas nuas ou em poses provocantes, grupos de SMBD etc.
Em Sailor Moon, temos um desfile de várias fantasias ligadas ao erotismo e à sexualidade das adolescentes que compõem o público alvo da série. O que me chama realmente a atenção são os seguinte fatos:
  • que um produto de massa como uma série de anime coloque essas fantasias claramente no ar para um grande público misto em termos de sexo e faixa etária e ainda seja bem aceito;
  • que isso seja feito de uma maneira não vulgar ou apelativa, a ponto de conseguir ser "aturado" pelos grupos de "controle da moral" que patrulham as TVs de vários países;
  • que tal abordagem, entre séria e jocosa, possa servir como um ponto de partida para o questionamento ou ao menos que meninas possam começar a pensar em si próprias como pessoas que têm direito à tais fantasias e que possam reconhecê-las como tal, ao mesmo tempo admitindo que têm tais sentimentos e tentando separar a fantasia da realidade.
Vamos ver agora alguns tipos de fantasias da sexualidade feminina encontrados em Sailor Moon:

  O amor romântico

O amor romântico é a espera pelo "príncipe encantado", pelo "homem certo" com o qual se poderá viver um "amor eterno". Esse é o amor que é colocado como desejável na série, como em quase todas as produções para mulheres. Em parte porque é, como já disse, o comportamento mais adequado socialmente (já que restringe a promiscuidade e evita filhos bastardos), mas também porque as mulheres são mesmo mais "românticas" no sentido de que tendem a tentar estabelecer um laço afetivo com seus parceiros. Creio que, tirando os casos de prostituição ou de sexo casual, é muito difícil que uma mulher tenha sexo regularmente com um parceiro sem que tenha/desenvolva um relacionamento em um determinado grau para com ele.
Assim, todos os produtos artísticos voltados às mulheres investem bastante em mostrar os sentimentos das pessoas envolvidas como um pano de fundo para os relacionamentos, que podem chegar a ser sexuais ou não. Em Sailor Moon, este é o centro da trama, com o amor de Serena e Darien atravessando os séculos e vencendo a morte. Esse amor toca profundamente a todos que os rodeiam e é extremamente cobiçado, como podemos ver nas tentativas de várias "vilãs" em roubar o amor de Darien. No entanto, ele permanece fiel a Serena e essa união triunfa sempre no final.
Pois é, isso seria o normal de qualquer novela melosa para adolescentes, se não houvesse também o outro lado: Serena e Darien vivem brigando ou tendo problemas devido à insegurança de ambos. Apesar da fidelidade de Darien, Serena vive flertando com outros e muitas vezes "balança" na hora de decidir se permanece fiel ou se muda de namorado. O fato de que tantos "bons partidos" se interessem por ela cumpre a função de externar uma das grandes fantasias femininas: atrair todos os homens interessantes para que ela possa escolher o melhor enquanto eles se ajoelham aos seus pés... bem diferente da realidade, é claro, mas é para isso que existem as fantasias, não é?

O "amor romântico" ainda é a maior fantasia feminina - o que não quer dizer que não possa se tornar realidade. Conheço casais casados que vivem um amor bem próximo disso, apenas é preciso estar ciente de que ele é "eterno enquanto dura" e que há chuvas e tempestades a cada passo do caminho...
 Toda maneira de amor vale a pena
Como já disse antes, o simples fato de as mulheres poderem admitir que sentem atração sexual já é um grande passo (talvez não para quem tem 15 anos hoje, mas isso foi uma grande conquista!...). Em Sailor Moon, não há apenas exemplos de relacionamentos românticos tradicionais, mas também são abordadas outras formas menos prestigiadas socialmente.
Isso não significa que Takeuchi estava querendo escrever um tratado sobre a liberdade sexual. Sailor Moon é um anime comercial do puro estilo shoujo (para mulheres) e nunca pretendeu ser nada além disso, mas é interessante verificar que várias das fantasias e pensamentos que povoam a imaginação das adolescentes são tematizados de uma forma ao mesmo tempo jocosa e discreta. Embora desde o início a série apresente um suave erotismo (como nas roupas dos personagens), ele vai-se tornando cada vez mais declarado com as diversas fases (como se pode ver nas roupas dos vilões da série Super S e das Sailor Stars) e por vezes questões abertamente sexuais são apresentadas de uma maneira altamente estilizada, como os relacionamentos homossexuais.
Zoicite e Malachite foram provavelmente o primeiro grande choque para nós no ocidente, a mostra aberta de um relacionamento homossexual não-escondido e bem sucedido, embora na TV americana e brasileira Zoicite tenha sido transformado em mulher... Mas no original, ele era mesmo um rapaz e a tocante cena de sua morte nos braços de Malachite reforça a visão positiva do relacionamento de ambos. Mais tarde, na série S, temos um novo par romântico homossexual, desta vez dentre as próprias sailors, as protagonistas da série. Haruka e Michiro deram muita dor de cabeça para a censura americana, mas aqui no Brasil os fãs já sabiam da história das duas pela Internet e ficaria muito mal transformá-las em "primas". Novamente, um exemplo de relação homossexual bem sucedida, e desta vez entre duas mulheres, que ainda é muito mais discriminada do que a relação entre dois homens. O relacionamento entre ambas é mostrado de uma maneira extremamente discreta e sutil: afinal, não é preciso ficar mostrando cenas escandalosas para "tirar o pessoal do armário". A cena em que Haruka e Michiro estão sentadas à janela e acariciam as mãos uma da outra é uma das formas mais elegantes que já vi em animes para sugerir uma relação sexual e não tem nada de explícito ou ofensivo.

É interessante notar que a própria Serena é atraída por Haruka, mesmo depois de saber que ela é uma mulher. Serena é claramente hetero, mas esse episódio com Haruka mostra que alguém pode apreciar a beleza ou mesmo sentir atração por uma pessoa do mesmo sexo, sem que isso tenha que levar a uma mudança na sua orientação sexual.
Contudo, a sexualidade em Sailor Moon é preponderantemente heterossexual, e o que mais me chamou a atenção foi a atuação do Trio Amazonas, na série Super S (no anime, já que no mangá as coisas são um pouco diferentes).

Cada um dos integrantes do trio Amazonas tem interesse por um tipo de mulher (ou de homem, no caso de Olho de Peixe...) que está normalmente fora da faixa de idade considerada "boa" para atrair companheiros: Olho de Tigre gosta de mocinhas, jovens e ingênuas, enquanto Olho de Águia prefere mulheres maduras. Eles as seduzem com base em suas fraquezas e desejos específicos, mostrando-se como o "príncipe encantado" com o qual elas sonham e que ainda lhes é mais difícil encontrar, dada a "desvantagem" das idades. Olho de Peixe faz o mesmo com os homens, até se apaixonar por Darien. Todos são sedutores que querem usar suas "vítimas" para seu propósito de achar o "sonho maravilhoso" no qual o Pégasus se esconde.

Só que, convenhamos, esse negócio de "sonho" e "espelho dos sonhos" é quase explícito: por que algemar as pessoas àquela tela para retirar-lhes os espelhos? Por que as pessoas gritam tanto e ficam tão envergonhadas  em ter seus "sonhos" revelados? (reparem bem que as pessoas exibem a mesma "coradinha do rosto" que é uma das convenções em animes para situações de vergonha, mas também de excitação). Por que os integrantes do Trio Amazonas "se enfiam" nos espelhos e fazem sons que mostram estarem se divertindo muito? Bom, pessoal, sinto muito, mas se eu já vi um caso de estupro estilizado, é esse (desculpem pela linguagem forte, mas é isso aí mesmo!). Poderíamos até pensar que a "moral da história" é: mocinhas e senhoras, cuidado para não cair na conversa dos sedutores de plantão, porque tudo que eles querem é sexo!

Com essa interpretação das ações do Trio, teríamos mais um elemento de reforço a favor do "amor romântico", principalmente porque é o amor de Olho de Peixe por Darien que acaba desencadeando os acontecimentos que os levam a renascer como humanos. E se quisermos entender os "lindos sonhos" de que tanto se fala (e que o Trio Amazonas não tinha) como um relacionamento que não é apenas sexual com vistas à obtenção de vantagens pessoais, temos novamente a moral perfeitinha que se espera encontrar em desenhos animados (com a diferença de que as pessoas envolvidas não precisam ser necessariamente de sexos diferentes...).





Ainda uma outra faceta da sexualidade foi abordada na série Stars: a questão da mudança de sexo ou da androginia. Devo dizer que achei essa idéia dos três rapazes se tornarem mulheres muito louca, mas ela acaba dando margem a muitas coisas interessantes.


Já abordei a questão das Sailor Stars na página sobre a androginia, quando disse que Seiya já havia entrado em contato com sua "porção mulher". Pois é, na psicologia jungiana (se não me engano), há essa noção derivada da filosofia oriental do yin/yang, ou feminino/masculino. Segundo essa idéia, cada pessoa teria um lado feminino e um masculino em sua personalidade, independente de seu sexo físico (embora eu ache que isso se refere mais às características psicológicas geralmente atribuídas a cada sexo, como: passividade/ agressividade, criação/ destruição etc.). Assim, não haveria razão para evitar comportamentos que geralmente não são vistos como típicos de um dos sexos (como homens chorarem ou mulheres "chegarem" em homens para namorá-los), já que a potencialidade para ambos estaria dentro de cada um.

Outra coisa que me chamou a atenção sobre esse tema foi um documentário sobre mulheres no Japão que eu vi na TV há algum tempo. Apesar de mostrar que as mulheres ainda são muito discriminadas e oprimidas no Japão (como a moça que comparou as mulheres a um bolo de Natal: cobiçadas por todos até a véspera do 25 (aniversário) e depois tratadas como "saldo"), o documentário também mostrou uma pesquisa feita entre os homens japoneses com a pergunta: "o que você gostaria de ser se não fosse um homem", que teve como resultados: em 1o. lugar: um pássaro e em 2o. lugar: uma mulher! Acho que deve ser porque os homens japoneses também parecem ser muito oprimidos e sobrecarregados no trabalho  e têm a impressão de que as donas de casa têm mais tempo para si mesmas (ledo engano!). Seria interessante saber que resultados essa pesquisa teria entre as mulheres, mas o desejo de se libertar das "limitações" ou da "opressão" do seu papel sexual parece surgir em todas as sociedades...

O que realmente acho interessante em Sailor Stars é que a transformação ficou bastante convincente. O desenho dos personagens é bastante andrógino, mas com o equilíbrio certo na forma do corpo e na expressão do rosto. Não temos a menor impressão de que Seiya e os outros sejam homossexuais enquanto estão em suas formas masculinas (o mesmo talvez não valha para suas versões femininas, quando vemos como eles se dedicam à Princesa e na maneira de Sailor Fighter se relacionar como Serena - o que, afinal, faz sentido, porque na realidade eles são homens...). Quando se transformam, as Sailor Stars são bastante agressivas e combativas, bastante na linha de Haruka, o que seria um tipo de pessoa que integrasse as duas sexualidades. É também bastante ousada a cena da transformação dos/das três, quando vemos seus corpos mudarem de masculinos para femininos com alguns poucos traços.

É interessante ainda notar que as roupas das Sailors Stars têm uma forte influência SMDB (couro preto, justinho, botas altas etc.) e são certamente muito mais explícitas do que qualquer outra roupa na série. Mas por que isso, se Sailor Moon é uma série para meninas? Acho que a explicação é a mesma que já expus na página da androginia: para que as moças possam se identificar com personagens que não estejam presas pelas condições normalmente "impostas" às mulheres (ser gentil, delicada, medrosa, conciliadora, passiva...), mas que também não deixem de ser "femininas" e que usem os atributos das mulheres, ou seja, não pareçam brutamontes masculinizadas quando esse não é o único meio de ser atuante e combativa. Será essa a função da figura da "dominatriz"?
Novamente, Serena se encontra na situação de estar sendo atraída por outra pessoa além de Darien, e desta vez é Seiya, uma pessoa que parece incorporar tanto as boas qualidades de Darien como as de Haruka, que faz balançar o seu coração. Parece o sonho perfeito, não? Estar com uma pessoa que pode atender ao mesmo tempo os lados feminino e masculino! Mas na verdade, se todos têm os dois lados, todos podem satisfazer a esse desejo, não é? Basta saber onde procurar...

Novamente, Serena se vê sendo "infiel" a Darien, mas é fácil entender o porquê: ele aparentemente a deixou sem qualquer notícia e mesmo o amor mais profundo pode sucumbir frente à falta de interesse. Além do mais, Serena é comprometida, mas não está morta... é natural que se interesse por uma pessoa como Seiya, que parece tratá-la até melhor do que Darien. Novamente temos aqui a fantasia feminina de ter todos os homens interessantes a seus pés, para que ela possa escolher o melhor (e ainda mais um outro, de reserva...).

Bom, eu quis aqui apenas levantar alguns pontos que me chamaram a atenção em Sailor Moon, uma série que é geralmente desdenhada como uma bobagem romântica para menininhas, mas que realmente aborda abertamente a sexualidade feminina de uma maneira a meu ver assombrosa para os nossos padrões, "driblando" a censura tão completamente em todo o mundo ocidental. O sucesso da série mostra que as pessoas em geral estão interessadas em uma visão feminina do mundo e que mulheres gostam de animes voltados para elas, que respeitem suas fantasias sem julgamentos radicais ou estereótipos redutores. Dá-lhe Sailor Moon, precursora do girl power (pero sin perder la ternura jamás)!


Sailor Moon e todas as demais obras, produtos e afins são de propriedade de Naoko Takeuchi, Bandai, Kodansha, Toei Animation, etc, etc, etc. Este site (infelizmente) não tem fins lucrativos. Imagens tiradas dos sites Anime World Sailormoon (imagem inicial),  Sakura's Senshi Circle v3.0 (trio Amazonas, espelho); Eternal Sailors (brasileiro! - Sailor Stars); Sakura's Best and Worst of Anime (Malachite & Zoicite, Haruka & Michiru); Selenity’s Treasures (Darien & Serena); e members.dodo.net.au/ ~jones12/Im.htm (família real). Infelizmente não sei mais de onde vieram as outras imagens... Se você. encontrar uma imagem do seu site aqui sem os devidos créditos, por favor entre em contato comigo para que eu resolva o caso, onegai? (if I haven't given you credit for a picture from your site, please contact me!)

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