14.7.11

Crenças Céticas X - Positivismo lógico e indutivismo: as duas bases do ceticismo dogmático.

POST FANTÁSTICO que deve ser lido por qualquer pessoa interessada em filosofia e ciência

original em:http://eradoespirito.blogspot.com/2011/01/crencas-ceticas-x-positivismo-logico-e.html

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"Acho que o mais importante defeito dele... era que quase tudo nele era falso." (A. J. Ayer, principal defensor do Positivismo lógico na Inglaterra, sobre o Positivismo lógico).

Muita gente acha que filosofia é perda de tempo, um conhecimento que serve à 'gente metida' ou intelectuais com pouco senso prático. Na verdade, todas as nossas ações e decisões se baseiam em motivações interiores que, muitas vezes, são derivadas de crenças e suposições que são objeto de estudo da filosofia.  Uma vez que tomamos contato com as várias doutrinas filosóficas que existem, podemos compreender melhor porque as pessoas agem de determinada maneira, e até mesmo, prever seu comportamento.

Esse é o caso do pseudoceticismo ou ceticismo dogmático que tem sido objeto de nossas análises neste blog.  Podemos nos perguntar: quais são os seus fundamentos filosóficos? A resposta não pode ser outra: o positivismo lógico e o indutivismo ingênuo.

Os positivistas lógicos descrevem o mundo como derivado dos sentidos. Para eles só há sentido em estudar aquilo que esteja diretamente acessível aos sentidos humanos, fornecendo um visão de mundo essencialmente fundamentada no 'empirismo'. Acreditamos que o positivismo lógico foi uma resposta ao excesso de cuidados com conceitos e idéias que não tem suporte empírico, mais particularmente contra aqueles objetos da teologia dogmática. Historicamente, sabemos que o Positivismo lógico (nascido no assim denominado 'Círculo de Viena' na década de 1920) foi uma resposta à filosofia de Hegel. 

Um positivista lógico acredita que evidência observacional é indispensável para uma descrição correta do mundo. Na verdade, ele vai mais além e só acredita naquilo em que se possa fornecer uma evidência empírica. Portanto, a descrição positivista do mundo é uma descrição necessariamente pública que despreza entidades que não sejam publicamente acessíveis.

Essa visão positivista tem reflexo imediato nas decisões de investimentos de pesquisa. Uma vez que recursos são escassos, é razoável que o modo 'positivista' de ver o mundo tenha maior influência, já que ele acaba por significar risco menor ao investimento. Parece ser muito menos arriscado investir dinheiro em pesquisas sobre objetos que sejam diretamente acessíveis aos sentidos (que se pode ver, tocar, ouvir ou perceber) do que com aqueles que não são. 

Hoje em dia, o positivismo lógico originalmente criado no círculo de Viena não é mais defensável. A Física moderna, a genética e outros ramos da Ciência demonstraram que, para que teorias científicas tenham sucesso, é preciso postular a existência de entidades que não são diretamente acessíveis aos sentidos. Se tais entidades existem ou não é outro problema, bem mais complexo, que o leitor pode aprender buscando por  textos sobre o 'realismo científico'. Por isso, o positivismo se transformou, e antes o que era tomado como 'necessidade de evidência dos sentidos' é hoje substituído por 'evidências empíricas' dentro do chamado 'método científico'. 


No desenvolvimento e justificação desse método, os neopositivistas são guiados pelo indutivismo, que se tornou outro fundamento para o ceticismo dogmático. Por 'indutivismo' queremos dizer uma postura filosófica que aceita que o conhecimento pode ser gerado a partir do amontoado de evidências ou observações de fatos singulares. Acredita-se que conhecimento científico genuíno e altamente confiável possa ser criado a partir da observação de um número finito de fatos, desprezando-se o papel que teorias tem na orientação e condução de experimentos ou proposição de observação de fatos. Para o indutivista, as teorias são, na verdade, o resultado do processo de fazer ciência e não tem outro papel a desempenhar. Embora tal postura já tenha sido conclusivamente rejeitada, ela tem grande influência na maneira como o processo de se fazer ciência é defendido popularmente, embora seja duvidoso que tenha qualquer influencia na maneira como Ciência de qualidade é gerada. 

Analisemos, por exemplo, a frase abaixo, traduzida de seu original em inglês. Essa frase foi tirada da 'rationalwiki' um site semelhante à enciclopédia wiki mas que se auto-entitula 'racional':

Em geral, fenômenos paranormais colocam-se fora do que seria normalmente esperado ocorrer no mundo real. Além disso, tais fenômenos não podem ser reproduzidos sob condições controladas e, portanto, não podem ser investigados pelo método científico. Por essa razão, eles são classificados como pseudociência. (em http://rationalwiki.org/wiki/Paranormal)

Por que a ênfase na repetibilidade e controle? Porque o indutivista acredita que o processo de indução só funciona sob determinadas condições, a mais importante delas é a necessidade de um grande número de observações

Vejamos um exemplo:

Bares noturnos são lugares ideais para se comprovar a tese de que muitos brasileiros são bêbados.

Suponhamos que alguém todas as sextas-feiras, em determinado horário à noite visitasse grande quantidade de bares ou casas noturnas em uma grande metrópole no Brasil e verificasse a presença de pessoas embriagadas. Ele então visitaria outras capitais, sempre à noite, aos sábados e verificaria ainda mais pessoas embriagadas. De acordo com o processo indutivista de fazer ciência, seria autorizado a esse pesquisador enunciar a lei:

"Os brasileiros são bêbados em geral".

Note que, para que a afirmação tenha valor, não é suficiente observar um grupo pequeno de brasileiros se embriagando, mas muitos, talvez milhares, o que é facilmente atingido ampliando a 'base de dados' ou pesquisa de campo. 

Além disso, faz parte da crença indutivista pensar que os dados ou os fatos contem em si tudo o que é necessário para se chegar ao enunciado final ou teoria. Assim, de acordo com tal princípio de 'objetivação dos fatos', o pesquisador não pode fazer qualquer consideração adicional (como, por exemplo, sobre as razões para pessoas beberem em bares à noite) sob pena de ser acusado de parcialidade ou de ser 'tendencioso' em sua pesquisa.

Por que essas considerações são importantes? Porque na defesa de explicações para a fenomenologia dos chamados 'eventos paranormais' (quer dizer, fenômenos espíritas), somos constantemente bombardeados com acusações pseudocéticas da necessidade de 'repetibilidade' de experimentos. Isso acontece justamente por influência da crença indutivista que, não tendo papel a desempenhar no desenvolvimento da Ciência (como mostram estudos em História da Ciência) é invocada para invalidar os fatos ou negar o status de ciência a qualquer teoria ou explicação para esses fatos (que transcendam às explicações populares de embuste ou fraude).

Os fenômenos espíritas (a maioria girando em torno das faculdades mediúnicas) são eventos que exigem condições especiais para ocorrência. Tais condições singulares são apreendidas quando a teoria desses fenômenos é compreendida. Somente assim é possível 'desenhar' experimentos que possam ser repetidos até um certo ponto. A confirmação de resultados no campo da pesquisa dos fenômenos espíritas é possível, sem a necessidade de um número arbitrário de repetições. Tais confirmações foram feitas no passado e apontam para a excelência das explicações que sustentam a continuidade da existência para além do corpo físico, e postulam a existência de entidades não observáveis de forma muito mais direta que muitas teorias da física ou da biologia o fazem para determinados fenômenos. 

Quanto mais próximos estivermos da verdade com relação as origens e causas desses fenômenos, tanto mais aptos estaremos para reproduzí-los e aproveitá-los de forma coerente e responsável. Isso explica porque, em um ambiente onde prevaleça o ceticismo, a descrença e o deboche para com tais ocorrências, elas dificilmente poderão ser observadas e, muito menos, explicadas.

Para saber mais:

Sobre o Positivismo Lógico:
Sobre o Indutivismo ingênuo:
Referências

Suppe, Frederick, The Positivist Model of Scientific Theories, in: Scientific Inquiry, Robert Klee editor, New York, USA: Oxford University Press, (1999), pp. 16-24.
Chalmers, A. F. O que é Ciência, afinal? ed. Brasiliense, 1a edição (1983).

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