1.5.17

Mindfulness COM e SEM meditação. É possível?

Escrevo este texto pois não achei quase nada sobre o assunto em Português. A idéia é poder introduzir brevemente o tema. Espero ter êxito. 

A GRANDE maioria das pessoas que chegam até mim querem "aprender a meditar". Chegam tendo a idéia fixa de que mindfulnes é, NECESSARIAMENTE, MEDITAÇÃO. Em geral, quando a busca da pessoa é aprender a meditar tento esclarecer que não sou - propriamente - professor de meditação. Costumo indicar professores experientes da minha cidade. Em geral, monges do Zen ou do Budismo Tibetano. Esses sim grandes professores de meditação!! Aqui em Porto Alegre costumo indicar o Lama Santem, a Monja Isshin e o ViaZen. Se eu explico o que explicarei abaixo e a pessoa decide seguir no "mindfulness científico", aí sim encorajo a seguir no meu grupo.

Além disso, na meditação budista, por exemplo, mindfulness é apenas uma pequena etapa do caminho de meditação. Por exemplo, o Nobre Caminho Óctuplo budista inclue mindfulness (right mindfulness) como uma das pontas do iceberg de um universo muito maior e complexo. Neste sentido, a meditação é muito maior que o mindfulness.

Mas uma coisa é certa! Todo mundo chega nos meus grupos querendo aprender a MEDITAR! Mas não sou - propriamente - professor de meditação! Não tenho o que fazer, as pessoas aprenderam que Mindfulness=Meditação!

Claro que, quando falamos em meditação, imagens como as abaixo surgem em nossa mente. A mídia também ajuda a levar adiante essa imagem, divulgando mindfulness massivamente desta maneira, então as pessoas tendem a COLAR mindfulness com meditação. Acabam achando que é a mesma coisa, ou similar. O problema é que pode ser, mas também pode não SER! hehehe. Isso mesmo! 

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MINDFULNESS OU MEDITAÇÃO????



NÃO É ISSO QUE VOCÊS IMAGINAM QUANDO ALGUÉM FALA EM MINDFULNESS?

Então, é muito difícil alguém falar sobre mindfulness e este tipo de imagem não vir a mente. É - usualmente a associação direta que se faz com Mindfulness. Mas no mindfulness nós não precisamos ficar - necessariamente - sentados assim. Pois então, aí vai a história verdadeira.

A verdade é que Mindfulness não necessariamente é algo MEDITATIVO ou BUDISTA (hinduísta, taoísta, ou o que for). Pode ser - mas não é necessariamente. O termo Mindfulness, no contexto religioso, começou a ser utilizado no ocidente a partir do século XIX como tradução para o sânscrito e o Pali. Foi utilizado a fim de transcrever termos específicos destas línguas que se referiam a um conjunto - também específico - de conceitos e práticas. Então, mesmo práticas tão diversas - como práticas do Zen Budismo e do Budismo Tibetano - começaram a aparecer em inglês como MINDFULNESS. Um exemplo é a prática de Shamata, que começou a ser chamada, em inglês, de Mindfulness. Parece que o termo inglês soava melhor do que as "estranhas" palavras em sânscrito, pali ou tibetano. Em 1967, o monge vietnamita, Tich Nhat Hanh publicou "The Miracle of Mindfulness". Era um livro religioso, mas voltado para o público geral. 

Só que precisamo saber que - ANTES DE QUALQUER COISA - Mindfulness é simplesmente uma palavra da língua inglesa que existia MUITO ANTES da chegada do Budismo em terras anglo-saxônicas. Então, os povos de língua inglesa já utilizam esse termo para algumas ocasiões e situações específicas. A aplicação mais comum, no entanto, é a do termo em sua forma adjetivada - mindful - significando ou qualificando "aquele(a) que está atento(a)". 

Até aqui aprendemos que: 1 - mindfulness é termo de língua inglesa que existe desde o século XVI, aproximadamente, independente de qualquer religião; 2 - a palavra começou a ser empregada como tradução para alguns conceitos e práticas budistas a partir do século XIX. Portanto, a palavra não foi "criada" para designar uma meditação, e sim utilizada para isso. 



Então, agora sabemos que mindfulness não é uma palavra budista ou necessariamente usada em contexto budista. É um substantivo da língua inglesa que pode ser utilizado para dizer que a "atenção está presente, viva, lúcida". Em inglês, alguém pode exemplificar assim:
"-Hey John, it will rain this afternoon!
"-Ohhh, I can see. I´m mindful of it!

Por que, então mindfulness ficou tão associado à meditação, ou Budismo? Isto ocorreu devido à popularidade do MBSR, programa de mindfulness criado por Jon Kabat-Zinn, e inspirado na Yoga e no Budismo Coreano. Como tem inspiração budista, o Jon Kabat-Zinn utiliza práticas e setting inspirado no budismo. Então, tu vai ver ele parecendo um meditador mesmo!!! E ensinando isso! Ele insiste que o MBSR é secular (não-religioso) mas recentemente andou afirmando que o MBSR é uma "nova linhagem" do Budismo. Além disso, no site do MBSR havia uma declaração de que o mesmo estava associado ao "Dharma" (termo para designar "verdade do ensinamento de Buda"). Polêmico, não? Se é "linhagem", é espiritual. Enfim. Segue a confusão hehehehe. 

Jon Kabat-Zinn em seu momento espiritual!

Mas o MBSR do Kabat-Zinn não foi a única manifestação legítima do Mindfulness no Ocidente. Vejam bem, este "exercício da atenção" está presente nos últimos gregos (estóicos e epicuristas, inclusive sob a forma de exercícios!) e é uma preocupação de toda a Psicologia Ocidental, começando com um dos seus pais, William James. Acontece que, como o MBSR ficou muito popular, acabou tomando toda a cena.

O mindfulness SEM Budismo está presente na Psicologia, mesmo antes (ou contemporaneamente) do MBSR de Kabat-Zinn. Exemplos são os trabalhos de Ellen Langer, professora de Harvard, e Steven Hayes, criador da psicoterapia ACT (Terapia de Aceitação e Compromisso). Neste autores, o referencial teórico é a relação entre processos atencionais e flexibilidade cognitiva. Eles também procuram entender as relações entre "atenção", "desatenção", e saúde física e mental. Seu referencial teórico não é o treino da mente no Budismo, mas sim o que a Psicologia e as Ciências Cognitivas sabem sobre as relações entre processamento atencional e psicopatologia. 

Mas como seria um exercício de Mindfulness SEM meditação. É possível. Sim! Claro que é! Vou dar dois exemplos. Um da professora Langer e outro da ACT.

1 - ELLEN LANGER: Quando alguém nos pergunta "quanto é 1 + 1? Logo respondemos o número 2. Mas se você pensar que se juntar uma bola de massa de modelar azul com outra bola de massa de modelar azul você estará somando duas bolas de massa de modelar e tendo como resultado "1"!. Logo, você fez com que 1 + 1 = 1. E por que prontamente respondemos: "2"? Porque estamos no modo "desatenção", "automatismo". Nos ensinaram assim, nos habituamos a responder assim - LOGO tem que se assim. Isso é um exemplo de "mindlesness", o estado oposto de "mindfulness". 


A professora Langer diz que podemos desenvolver mindfulness prestando mais atenção nos estímulos que nos cercam. Por exemplo, de repente você está habituado(a) a entrar em uma mesma sala todos os dias, há muito tempo, e já não percebe mais os estímulos do ambiente. Um exercício de mindfulness seria entrar nessa mesma sala com a atenção viva, aberta, curiosa. De repente você vai descobrir que um objeto está em um lugar todos esses anos e você nem notou? Você saberia dizer que cores tem as paredes do seu trabalho? Exercitar mindfulness é manter a atenção viva, aberta, momento-a-momento!

Da próxima vez que passar por aquela rua que você passa todos os dias procure perceber algo novo: um objeto, um detalhe qualquer. Você estará praticando mindfulness!

2 - HAYES na ACT: Tente o seguinte exercício - 1 - Você vai tentar observar os seus pensamentos surgindo, momento-a-momento, em sua mente. PAra isso você deverá fechar os olhos e imaginar que está vendo um céu azul com nuvens. Imagine que cada nuvem é um pensamento surgindo e desaparecendo. Cada nuvem que surge e desaparece é como um pensamento que surge e passa, dando lugar a outro. Tente fechar os olhos e fazer isso por 1 minuto.


A versão de Hayes contribui, hoje em dia, em particular, para pensarmos no papel de mindfulness nas psicoterapias. Um forma de desenvolver mindfulness sem meditação seria fazendo uma psicoterapia como a ACT que procura ensinar essa habilidade. Às vezes, um terapeuta ACT pode optar por ensinar, também, exercícios meditativos. Uma coisa não exclui a outra.

Deste modo, termos como "desfusão cognitiva" estão cada vez mais populares entre psicoterapeutas, especialmente devido à trabalhos como o de Hayes. A versão de Langer está presente em diversas pesquisas sobre cognição-social, como em estudos sobre tomada de decisão e ilusão de controle. 

Deste modo, descobrimos que Mindfulness pode representar muito mais coisa do que APENAS meditação. As práticas de meditação são uma das formas onde mindfulness pode ser desenvolvido. É importante salientar que existem outras práticas de meditação que não envolvem mindfulness. Meditação é um universo amplo, que vai além do treino atencional. Pode envolver elementos ritualísticos, éticos, espirituais e metafísicos. Em geral, espiritualidade é importante na meditação, mas não necessariamente no mindfulness. 

O Mindfulness ficou popularmente associado à meditação devido ao sucesso e popularidade do MBSR de Kabat-Zinn e outros programas similares, mas você pode praticar mindfulness sem meditar, se quiser. Um terapeuta ACT, por exemplo, pode ensinar ao pacientes exercícios de mindfulness sem meditação, mas também pode ensinar algo meditativo. O protocolo com quem eu trabalho, por exemplo, apesar de conter exercícios inspirados na meditação, trabalha as práticas do ponto-de-vista neurocognitivo, e não da perspectiva necessariamente budista. Mas, em geral, os protocolos inspirados em MBSR tem um forte apelo "meditativo", no sentido mais espiritual do termo. É comum vermos nestes grupos as pessoas sentadas em almofadas zen (zafus) de pernas cruzadas. Sinos de meditação também são usados. Poemas e histórias budistas não raro são citadas. Mesmo assim, os exercícios e ensinamentos são ensinados secularmente, sem religião. 

alunos em um grupo de MBSR


Além disso, sugiro que, caso queira praticar mindfulness meditando, procure um professor experiente, seja um professor religioso budista ou não-religioso. Procure saber se seu professor recebeu ensinamentos de professores mais antigos, avançados ou, no caso de um professor não-religioso, se ele está qualificado para te ensinar. Professores budistas, em geral, ensinam práticas de zazen e shamata com grande propriedade, especialmente se estão ligados a uma tradição ou "linhagem". Recomendo fortemente que procure um professor da tradição budista e tente praticar com ele caso seu desejo seja aprofundar na meditação. Mas pode não ser a "sua praia". Assim, se você optar por um professor de mindfulness não-religioso, esteja atento. Se não for um terapeuta ACT, mas sim de um programa tipo MBSR, saiba que esse professor precisa fazer uma formação profissional longa (em alguns casos de mais de 10 anos), e em centros de excelência. A maioria destes centros está fora do Brasil. Além disso, é importante que este professor tenha experiência prévia na condução de diferentes grupos. Um professor sem treinamento adequado pode - inclusive - causar danos psicológicos e direcionar sua prática de modo antiético. 

Hoje em dia mindfulness está "na moda". Então, toda atenção é bem-vinda. Cuidem-se. 

Com ou sem meditação, Mindfulness faz bem e vale a pena! São todos caminhos válidos e úteis!




PS: obrigado à minha colega, e instrutora de mindfulness, Erika Leonardo, pela revisão!