Neste artigo, Wallace discute problemas da ciência e da psicologia enfrentados por Okcam, Wundt, James, Watson , Popper, Kuhn e outros pioneiros. Excelente!
por B. Alan Wallace
por B. Alan Wallace
Físico e estudioso da mente humana, doutor em estudos religioso pela Universidade de Stanford e monge tibetano nomeado pelo próprio Dalai Lama. Além do seu lado escritor, Wallace trabalha pela união de ciência e religião em prol da compreensão da mente
tradução: Goretti Oliveira
Revisão: Marcia Baja
Central de Voz: Informativo do Centro de Ciências Sagradas
Vol. 17, Número. 1 (inverno-primavera 2004)
www.centerforsacredsciences.org
Alan Wallace é um praticante e estudioso do Budismo desde 1970, tendo vivido quatorze anos como um monge budista Tibetano. Ele traduziu vários textos budistas, interpretados por vários Lamas tibetanos, inclusive o Dalai Lama, e tem ensinado filosofia budista e meditação em várias partes do mundo. Alan também é graduado em Física e Filosofia da Ciência pela Faculdade de Amherst e concluiu doutorado em Estudos Religiosos pela Universidade de Stanford. Entre os muitos livros editados, traduzidos e de sua autoria, três têm relevância particular ao assunto da ciência e religião: Choosing Reality: A Buddhist View of Physics and the Mind (Ithaca, NY,: Snow Lion, 1989), The Taboo of Subjectivity: Toward a New Science of Consciousness (Nova Iorque: Oxford University Press, 2000), e Buddhism and Science: Breaking New Ground (Nova Iorque: Columbia University Press, 2003). Maiores informações sobre Alan Wallace, podem ser obtidas em sua homepage http://www.alanwallace.org/. Este artigo tem seus direitos autorais protegidos (c) 2003 por B. Alan Wallace, e está sendo aqui publicado com a sua cortês permissão.
TOM: Tom McFarlane
ALAN: Alan Wallace
TOM: Alguns de nossos leitores podem não conhecer o Senhor muito bem, então, para deixá-los mais familiarizados com a sua pessoa, talvez o Sr. pudesse compartilhar um pouco de suas experiências passadas, do presente e as que pretende realizar no futuro.
ALAN: O meu principal esforço atualmente é estabelecer o Instituto Santa Barbara para o Estudo Interdisciplinar da Consciência, para o qual estou reunindo metodologias, descobertas e teorias das ciências cognitivas, de várias tradições contemplativas do mundo, e de várias filosofias ocidentais e orientais com o intuito de compreender a natureza da consciência, suas origens e potenciais. Ao lado da investigação epistêmica das origens, natureza, funções e potenciais da consciência, há também o aspecto pragmático disto, que significa tentar extrair todo o potencial da consciência, por exemplo, aumentando as habilidades da atenção, cultivando equilíbrio emocional e coisas do tipo. O principal enfoque da abordagem pragmática é o cultivo de estados excepcionais de saúde mental e de realização de todos os potenciais da consciência. Este trabalho tem, portanto, dois aspectos: um de pesquisa e outro muito pragmático, de forma que, neste momento, estou me dedicando em um empreendimento muito amplo. Além disso, estou fazendo muitas palestras em vários países e conduzindo retiros de meditação. Em setembro de 2003, participei de uma conferência com Sua Santidade o Dalai Lama, uma das séries de conferências Mente e Vida [Mind and Life Conference www.mindandlife.org/past.conf.html] que já havia sido iniciada em 1987. Esta conferência, intitulada Investigating the Mind [Investigando a Mente], foi realizada na MIT, com o co-patrocínio do Instituto McGovern de Pesquisa do Cérebro na MIT, e eu era um dos coordenadores da mesa. Falando em termos gerais, esta conferência abordava a mente sob as perspectivas científicas modernas e budistas, e observava os tipos de ligação ou de cooperação que poderiam existir entre estas duas grandes tradições, dito da forma mais resumida possível.
TOM: Que maravilha! O Sr. poderia agora nos contar um pouco sobre sua história de vida? Como seus interesses em religião e ciência foram se desenvolvendo?
ALAN: Eu cresci numa família muito Cristã, onde participávamos de muitas atividades religiosas, tanto do lado da minha mãe como do meu pai. Portanto, levar religião a sério — neste caso específico o Cristianismo — esteve profundamente arraigado em mim desde a infância. Ao mesmo tempo, desde o início da minha adolescência, eu já tinha uma predisposição natural para perseguir uma carreira científica e fui encorajado pelos meus pais neste sentido. Assim, cresci compreendendo a existência de duas grandes tradições: religião e ciência. Mas, na medida em que eu crescia como adolescente, descobri, com uma consternação cada vez maior, que havia muito pouca comunicação entre ciência e religião. E a pouca comunicação que havia tendia a ser antagônica, sem colaboração, sem um sentimento de aprendizagem mútua. Por isso, eu sentia que tinha sido criado dentro de duas visões de mundo amplamente incompatíveis: a visão de mundo Cristã e a científica. E depois de passar dois anos na Universidade da Califórnia, em San Diego, no final dos anos 60, esperando encontrar algum tipo de integração entre o meu interesse em ciência e religião, eu praticamente desisti da civilização Ocidental com relação a isto. Percebi que ninguém sequer notava ou levava este problema a sério. No entanto, eu sentia que se eu não quisesse ficar internamente fragmentado os meus interesses pela religião e pela ciência deveriam ser integrados. Então, eu decidi sair da minha própria civilização e ver se alguém tinha uma abordagem mais holística para compreender a existência humana e nossa relação com o meio ambiente.
TOM: Foi isto que levou o Sr. para a Índia?
ALAN: Sim, via Alemanha. Eu passei meu primeiro grau no estrangeiro na Alemanha na Universidade de Göttingen. Enquanto viajava pela Europa, durante o verão, antes de me matricular na Universidade, eu me deparei com um livro sobre o budismo tibetano que me inspirou e me intrigou tremendamente. Era uma investigação rigorosa sobre a natureza da consciência. Este foi o primeiro livro que eu encontrei que realmente parecia reunir todos estes elementos: o profundamente religioso, contemplativo e filosófico, mas também racional e empírico, como uma abordagem científica que requer observação cuidadosa além de outras coisas. Aquilo realmente era o que eu estava procurando. De forma que isto foi o suficiente para que eu largasse todas as outras cadeiras na Universidade de Göttingen e passasse a estudar somente o idioma tibetano com o pressentimento de que este se transformaria no veio principal, uma veia de ouro que eu poderia rastrear para alcançar sua fonte.
Durante aquele ano na Alemanha, eu continuei lendo vorazmente sobre as tradições contemplativas do mundo, e cheguei finalmente à mesma conclusão a que Aldous Huxley tinha chegado: que dentro da grande diversidade de fé, credo e sistemas de crenças das religiões mundiais, há uma forte convergência no nível mais profundo da experiência mística. Eu percebi que, se este era o caso, então, os grandes místicos orientais e ocidentais estariam convergindo na realidade mais importante que os seres humanos podem realizar. Então, a única pergunta a ser feita era: que caminho eu quero seguir?
Depois de ter passado um ano na Alemanha, lendo o tanto quanto podia sobre o Tibete, sua cultura e religião, sua tradição meditativa, senti que aquilo realmente valia a pena ser investigado. Então, em 1971 resolvi dar e vender tudo o que possuía e que não poderia carregar nas costas, comprei uma passagem de somente de ida para a Índia, e fui imediatamente para Dharamsala, que então era, e ainda hoje é, uma comunidade de refugiados tibetanos, e também o local onde o Dalai Lama vive. Lá, fiquei imerso nos estudos do idioma tibetano, nas práticas contemplativas budistas, filosofia budista, e medicina tradicional tibetana. Passei toda a década de setenta em total imersão na civilização tibetana, especialmente sua religião e mais particularmente sua tradição meditativa e filosófica. Passei aproximadamente quatro anos na Índia e, em seguida, cinco anos em dois monastérios tibetanos na Suíça. Depois, segui por mais quatro anos de um retiro contemplativo solitário a outro, de forma que vivia fora de qualquer civilização, simplesmente me dedicando a meditação. E assim, me ausentei da civilização Ocidental por 14 anos.
TOM: Ao final, o Sr. foi levado de volta aos EUA para estudar Ciência. Como isso aconteceu?
ALAN: Eu fiz uma auto-reflexão e vi aquele poço: afinal de contas, eu sou um ocidental. Eu ainda sou um americano, independentemente de eu gostar disso ou não, esta é minha cultura nativa. Em minha busca por integração, descobri que, embora tivesse achado no budismo tibetano uma abordagem fundamental para o estudo da natureza humana, da consciência e da realidade como um todo, no processo de busca eu tinha acabado, de certo modo, me fragmentando ainda mais profundamente. Porque, se antes eu estava dividido entre ciência e religião, agora eu estava dividido entre oriente/ocidente. Obviamente eu não era um tibetano, e tinha me alienado de minha própria civilização nativa.
Então, naquele momento, pensei: vejamos se agora posso me integrar em termos de oriente/ocidente e não só em termos de ciência e religião. Pensei que, para fazer isso, eu regressaria ao paradigma da ciência ocidental, uma ciência que os outros buscam emular em muitos aspectos, e que é física, com sua base na matemática. Assim, em 1984, eu me matriculei na Faculdade de Amherst e revisei minha matemática, cálculo, cálculo de multivariáveis e estudei física, desde a base, ou seja, da mecânica clássica e eletromagnetismo à teoria da relatividade e mecânica quântica. Mas o meu verdadeiro interesse não era o de apenas estudar a física enquanto física, mas sim o de estudar o paradigma da ciência ocidental, e, ao mesmo tempo, adquirir o máximo de compreensão possível da história e do contexto filosófico nos quais a ciência ocidental cresceu e floresceu. A minha mais respeitada tese, que recebeu distinção, utilizou estes temas e posteriormente foi transformada em livro: o Choosing Reality: A Buddhist View of Physics and the Mind [Discernindo a Realidade: uma visão budista da Física e da mente].
Este período em Amherst foi o começo de uma integração dos 14 anos que tinha passado no oriente junto dos tibetanos com a formação que tive desde a infância no ocidente. A partir daí, tornei-me verdadeiramente
comprometido na busca contínua pela integração total, para que com o corpo inteiro, mente, espírito e coração, todos juntos, eu pudesse beber do manancial do budismo tibetano e da civilização ocidental. Depois disso estudei ciência cognitiva e filosofia da mente. Meu trabalho de doutorado sobre estudos religiosos na Stanford era muito interdisciplinar. Conseguir colocar tudo isso em um recipiente, e em comunicação entre si, melhorando e complementando um ao outro — foi o que estive buscando desde que retornei à sociedade ocidental em 1984. Agora, depois de quase 20 anos, eu realmente sinto que, em grande medida, alcancei aquele tipo de coerência interna e de integração. Sinto-me, portanto, muito em casa, tanto no contexto tibetano como nos contextos da ciência e da filosofia ocidental; e também, é claro, no contexto dos estudos religiosos. Agora, todos são pedaços de um todo completamente integrado. Há muito mais a ser aprendido, a ser descoberto através de uma investigação experimental. Mas sinto que agora tenho uma plataforma equilibrada e integrada e que é algo que eu estava buscando.
TOM: Excelente! Antes de discutirmos um pouco mais sobre a integração ciência-religião, eu gostaria de perguntar ao Sr. sobre o uso das palavras ciência e religião. Elas significam tantas coisas diferentes para muitas diferentes pessoas e são utilizadas de modos tão variados…Eu fico imaginando qual seria, na sua opinião, o modo mais benéfico de se definir ou conceber ciência e religião?
ALAN: Comecemos com a ciência. Segundo o meu próprio entendimento e sem a pretensão de ser uma autoridade no assunto, deixe-me simplesmente dizer o que vem à minha mente quando penso em ciência. Em
primeiro lugar, devo dizer que tenho grande respeito e admiração pela própria ciência. Esta é uma tradição com a qual eu não me sinto, de forma alguma, em contrapoisição ou em conflito. Basicamente, vejo ciência como um modo de investigação, que requer observações e experimentações muito rigorosas e precisas, onde freqüentemente há uma hipótese de trabalho precedente, algum tipo de formulação teórica que dá lugar a perguntas que podem ser postas e testadas na prática. Ou, como Karl Popper diz em The Logic of Scientific discovery [A Lógica da Descoberta Científica], há hipóteses que, pelo menos em princípio, podem ser repudiadas através de experimentações. Algo que freqüentemente vai junto com a investigação científica é a medida, análise e teorizações quantitativas, em termos de produção de fórmulas que representem as leis da natureza, e assim por diante. Ciência é, portanto um modo de investigação e, é claro, também o corpo de conhecimento científico resultante. É isso o que entendo por ciência. Agora, com relação a religião, acho que é importante reconhecer que religião, assim como a ciência, é, de fato, um termo ocidental que veio principalmente das tradições judaico-cristãs e greco-romanas. Então, quando olhamos para fora da nossa civilização, para a tradição indiana ou então para a tradição chinesa, estamos olhando através de um certo modelo de religião que se ajusta muito bem às nossas religiões Abraâmicas — especificamente com o Judaísmo, Cristianismo e Islamismo — mas que não se ajusta tão bem com quaisquer das tradições religiosas ou espirituais da Ásia. Então a pessoa termina numa espécie de dilema. Mas se a pessoa quiser falar tão amplamente quanto possível, não de uma religião como esta é freqüentemente concebida no ocidente, mas de religião como um termo mais universal ou global, então eu diria que religião requer um conjunto de teorias, modos de investigação e de práticas que buscam entrar em contato, compreender, ou pelo menos ter fé na natureza mais profunda da realidade, vivendo de acordo com aquela realidade e, ao fazer isto, chegar a alguma forma de salvação, de libertação, de despertar espiritual ou de iluminação. Eu acho que a pessoa deve falar nestes termos bem amplos quando estiver tentando falar de religião enquanto fenômeno global.
TOM: Como, em sua opinião, as concepções errôneas sobre ciência e religião poderiam estar contribuindo para o que se chama de conflito entre ciência e religião?
ALAN: Eu acho que o que se chama de conflito entre ciência e religião tem, em grande parte, a ver com dogma versus dogma. E ciência não deveria ser, de jeito algum, um dogma. Se a ciência passa a desempenhar um papel dogmático, deixa de ser, uma ciência genuína. Mas infelizmente isto freqüentemente ocorre. Os cientistas e promotores da ciência, tais como os professores, doutores, pesquisadores e jornalistas, geralmente se movem imperceptivelmente da ciência genuína ao que se parece mais um sistema de convicções. Estou aqui me referindo mais especificamente ao materialismo científico, que também é chamado de materialismo, naturalismo científico, reducionismo científico ou reducionismo materialista. Todos estes termos, basicamente, se referem, com freqüência, ao mesmo sistema de convicções. Por exemplo, uma convicção que nunca foi cientificamente provada, mas que é quase que universalmente aceita entre a vasta maioria de cientistas, é o closure principle [princípio de fechamento] que diz que dentro do universo físico não há agentes causais que não sejam físicos. Em outras palavras, nada se encontra no universo físico que não seja composto de partículas elementares ou que não tenha energia ou massa. Não existem outras influências no mundo físico. Bem, ninguém conseguiu demonstrar que isto seja verdade. É difícil imaginar como alguém poderia demonstrar ou, algum dia, surgir com um experimento que pudesse repudiar este princípio, para citar novamente o axioma de Karl Popper, de que as teorias científicas são aquelas que podem, em princípio, ser repudiadas por evidência empírica.
Agora, esta simples afirmação do closure principle [princípio de fechamento], que afirma que o universo físico é causalmente fechado, impede a possibilidade de, por exemplo, Deus, como um ser não-físico, ter criado qualquer coisa no mundo. Portanto, qualquer ser como Deus, se tal ser existe, é um agente passivo que se mantém fora do universo e que não é capaz de influenciá-lo de modo algum. Isto põe o materialismo científico em antagonismo radical ou incompatibilidade com todas as tradições teístas do mundo. Esta é apenas uma característica. No meu livro The Taboo of Subjectivity: Toward a New Science of Consciousness [O tabu da subjetividade: por uma nova ciência da consciência], tentei filtrar aqueles artigos chave, de fé do materialismo científico, que não haviam sido demonstrado cientificamente, mas que são todos amplamente aceitos por cientistas, especialmente na área da biologia e das ciências cognitivas. Então, se a pessoa combina investigação científica e conhecimento científico com este sistema dogmático de crença metafísica, estabelece uma incompatibilidade profunda entre ciência e todas as fés religiosas do mundo.
Agora, esta fonte desnecessária de incompatibilidade vem também do lado religioso. E isso acontece quando uma religião se identifica exclusivamente com um conjunto de crenças e de práticas rituais, de forma que, por exemplo, salvação ou redenção se tornam simplesmente um assunto de convicção inquestionável, que não pode ser, jamais, empiricamente testada. Ou, quando há alguma evidência empírica contradizendo a convicção da pessoa, esta não é levada em consideração pois a fonte de convicção da pessoa é considerada como sendo de natureza divina, estando portanto além da compreensão humana. Bem, para estes crentes não importa as evidências que surjam da ciência, porque eles aderiram a um sistema de crenças baseado numa autoridade, em um livro particular, que eles julgam ser infalíveis. Bem, simplesmente não há como exisitr um diálogo significativo entre ciência e um sistema de convicção que considera irrelevante qualquer coisa que um cientista diz. Então, quando a religião, seja esta o Cristianismo ou qualquer outra, adere dogmaticamente às suas convicções, qualquer tipo de diálogo significativo com a ciência está destinado à sucumbir.
Mas esta não é uma imagem inteiramente verdadeira de todas as religiões do mundo. Se a pessoa olhar dentro das práticas meditativas de quaisquer das grandes religiões mundiais, encontrará um modo de investigação que é tanto racional quanto experimental. E se a pessoa retornar à investigação empírica e racional dentro de uma moldura religiosa, acredito que assim a pessoa poderá abrir a possibilidade de um diálogo significativo e de colaboração com a comunidade científica. Estas formas meditativas de investigação encontram-se em todas as religiões. No Islã é o Sufismo, na tradição Judaica, a Kabbalah, no Cristianismo, a tradição mística Cristã. A tradição ortodoxa oriental tem sido muito forte por vários séculos. E, como isto é certamente verdadeiro com relação às tradições Abraâmicas, pode ser até ainda mais verdadeiro com relação às tradições que não se ajustam tão facilmente à categoria ocidental de religião: como o Budismo, por exemplo, e as várias escolas de Hinduísmo, Taoísmo e outras tradições orientais, que cresceram fora das civilizações que não definiram ciência ou religião como nós as definimos. Estas tradições, acredito, servem especialmente ao diálogo teórico muito significativo e à pesquisa empírica em conjunto com a ciência em assuntos como a natureza da mente, a natureza da consciência, a natureza da atenção, e as capacidades da consciência. Juntamente com William James e outros grandes pensadores ocidentais e outros contemporâneos que gostam do Dalai Lama, eu sinto que há um potencial enorme de colaboração e descobertas, reunindo a riqueza de metodologias e insights das tradições contemplativas do mundo, como as do Budismo, por exemplo, com a integridade, a profundidade, sofisticação, excelente ceticismo e atitude crítica das ciências naturais. Com esta integração, podemos iniciar áreas inteiras de pesquisa e de investigação profunda da natureza humana, da natureza da mente e da nossa relação com o ambiente que não surgiria sem tal área de interseção, ou da simples trajetória da ciência ocidental na medida em que esta segue seu próprio curso; também não viria do budismo ou de qualquer outra tradição contemplativa sem que houvesse a colaboração com a ciência ocidental.
TOM: Quais são os modos específicos pelos quais esta integração de tradições contemplativas com a ciência poderia sugir? Como poderia haver uma contribuição mútua entre eles?
ALAN: Um bom lugar para começar quando respondemos a tal pergunta é William James, porque ele foi um pensador muito profundo e multifacetado. Além de ter tido experiência em biologia e medicina, ele foi um dos psicólogos mais importantes deste país, ele foi um dos grandes filósofos deste país, e também escreveu o que poderia ser considerado o maior clássico americano sobre experiência religiosa, The Varieties of Religious Experience [As Variedades de Experiência Religiosa]. E tudo isso em uma única pessoa! Ele foi bastante monumental. Quando ele concebeu o estudo científico da mente, ele imaginou uma abordagem com três frentes de pesquisa. Uma delas era o estudo do cérebro e os correlatos neurais de uma ampla gama de processos mentais. Seguindo esta linha, os cientistas ocidentais, neurologistas, fizeram um progresso tremendo, especialmente nos últimos vinte-trinta anos. Esta é a primeira linha. A segunda seria o estudo comportamental relacionado à atividade mental. Seguindo esta abordagem, os behavioristas, do tempo de John Watson e B.F. Skinner à atual psicologia cognitiva moderna, também fizeram avanços maravilhosos na descoberta de comportamentos correlatos à mente. E isto tem indiretamente proporcionado muitas descobertas nas áreas da psicologia do desenvolvimento, e tem iluminado a compreensão da mente e do seu funcionamento. Mas William James havia dito que é necessário uma abordagem tríplice, e à terceira forma de abordagem ele chamou de introspecção, olhar para dentro. Ele também disse que, dessas três linhas de abordagem, a introspecção deve ser considerada a mais importante de todas. Este deveria ser o nosso mais importante método de investigação da mente por ser este o nosso único meio de acesso direto aos fenômenos mentais, tais como as emoções, atenção, recordações, imagem mental, imaginação, desejos, esperanças, medos, dor, sofrimento, alegria, etc. As outras duas abordagens, a neurociência e ciências do comportamento, incluindo a psicologia cognitiva, todos estudam apenas os correlatos físicos do fenômeno mental. É somente com a introspecção que realmente olhamos para os próprios fenômenos mentais.
A abordagem da introspecção, contudo, tem sido muito criticada no ocidente e a minha impressão é que, durante o curso de trinta anos, aproximadamente de 1880 até 1910, os psicólogos simplesmente não souberam fazer isto muito bem. Eles não souberam como treinar a faculdade de investigação introspectiva, como refinar a atenção, de forma que a introspecção pudesse ser feita de um modo rigoroso e confiável, e não estivesse densamente colorida pelas suposições, desejos e expectativas daqueles que conduzem o experimento. Então, quando pessoas, como John Watson, desmascararam a falta de qualidade na pesquisa introspectiva daqueles pesquisadores, a abordagem introspectiva foi descartada — o bebê foi junto com a água da banheira — e, desde então, tem sido difícil revitalizar esta abordagem.
Na tradição científica ocidental houve avanços tremendos, mas somente em termos da observação da terceira pessoa, que é uma observação indireta da mente via correlatos neurais e comportamentais. Uma analogia parecida do século XVI pode nos ajudar a ilustrar o problema de se estudar apenas os correlatos. No século XVI, Galileo refinou o telescópio e então aplicou-o à observação cuidadosa dos fenômenos celestes. Somente porque tinha tal instrumento, que era capaz de fazer observações detalhadas dos fenômenos celestes, foi que ele conseguiu descobrir que há luas ao redor de Júpiter, que há crateras na Lua e manchas no Sol. A única maneira da pessoa fazer descobertas inesperadas como estas, é investigando os fenômenos diretamente, com um instrumento de observação refinado e confiável. E foi a partir de experiências e observações precisas como essas, onde foram utilizadas ferramentas da tecnologia, que a ciência moderna da astronomia e cinemática se desenvolveram. Agora, antes de Galileo, havia uma longa história da astronomia popular que não estava tão preocupada com as observações precisas dos movimentos dos planetas e estrelas, mas tinha muito interesse na correlação entre os fenômenos celestes e os fenômenos terrestres, nas correlações entre comportamento humano e as posições dos planetas, sol, lua, e estrelas. Eu acho que você sabe a que disciplina estou me referindo: astrologia. Galileo e seus seguidores inventaram a tecnologia apropriada para observações rigorosas dos fenômenos celestes. Até aquele momento tudo o que realmente tínhamos era a astrologia e a astronomia popular. De forma semelhante, a psicologia moderna ainda não propôs formas apropriadas de observação para o estudo direto dos fenômenos mentais. Não foi desenvolvido nada comparável ao telescópio da astronomia ou ao microscópio da biologia celular. Mas as tradições meditativas do mundo desenvolveram. Estas tradições, especialmente àquelas do Oriente, criaram métodos para aumentar as habilidades da atenção em termos de estabilidade, vivacidade, para que sejam feitas observações profundas e detalhadas de uma ampla gama de fenômenos mentais, para que seja explorada a natureza fundamental da consciência através do estudo da própria consciência.
No contexto da brilhante estratégia de William James, da abordagem tríplice, a ciência ocidental fez um enorme progresso e deveria ser parabenizada por isso, pelas duas abordagens da terceira pessoa: do estudo dos corretaltos neurais e comportamentais da mente. Mas a ciência Ocidental não realizou progresso algum, em se tratando da abordagem da primeira-pessoa. E isto é muito surpreendente. Por outro lado, a tradição budista não realizou progresso algum em termos dos correlatos cerebrais dos processos mentais. Assim como nenhuma outra tradição meditativa do mundo realizou. Portanto, tanto o Budismo como as outras tradições meditativas têm muito o que aprender com a ciência Ocidental, no que diz respeito às correlações neurais e comportamentais dos processos mentais. E a ciência Ocidental tem o potencial de aprender muito com o Budismo e outras tradições meditativas, em termos da observação e experimentação direta da pessoa, fazendo a partir daí um relato sobre os próprios fenômenos mentais.
TOM: É como se estes métodos de observação direta da pessoa fossem algo com que as tradições contemplativas pudessem contribuir em termos de um método científico mais amplo. Em outras palavras, nós poderíamos conceber, talvez, uma ciência do futuro que não estivesse limitada à construção, ao refinamento de instrumentos científicos externos a nós, mas que nossa concepção de ciência pudesse ser ampliada de forma a incluir também o cultivo de instrumentos internos de observação.
ALAN: É exatamente isso. Este é exatamente o enigma com o qual Wilhelm Wundt e outros fundadores da psicologia ocidental se depararam. Estes pioneiros da psicologia ocidental estiveram trabalhando trezentos anos depois de Galileo e outros físicos que definiram ciência e metodologia
científica baseadas na observação objetiva. A ciência desenvolveu observações consensualmente baseadas na observação de terceiros, de coisas situadas fora, coisas no mundo físico que poderiam ser inspecionadas por múltiplos observadores. Portanto, os psicólogos tiveram um desafio enorme: como usar o método científico, que estava fortemente orientado aos fenômenos físicos objetivos, conduzindo-o em direção aos fenômenos mentais subjetivos? Eles tentaram a introspecção, mas francamente não souberam como pô-la em prática. Fizeram isto de uma forma primitiva, pobre, e por isso o método foi criticado e se perdeu, tendo sido amplamente substituído pelo behaviorismo e descartado até os dias de hoje. Então chegamos ao mesmo dilema: estamos tentando estudar fenômenos mentais, mas a ciência, da forma como esta estabelecida hoje em dia, não possui instrumentos de observação rigorosos e confiáveis para investigar diretamente os fenômenos mentais, isto é, na perspectiva da primeira-pessoa. Uma resposta para isso é jogar fora a introspecção completamente. Minha resposta é elevá-la, tentando aumentar a sofisticação e o rigor das metodologias da primeira-pessoa para complementar a sofisticação das metodologias da terceira-pessoa. Assim, realmente, se os cientistas conseguirem ter uma visão ampla e serem flexíveis em suas compreensões dos parâmetros da ciência, e incluírem a possibilidade da existência de observações e experimentos rigorosos da mente, mesmo que estes não sejam quantitativos, mas na perspectiva da primeira-pessoa, poderemos redefinir as ciências cognitivas e a psicologia. E, ao fazermos isso, poderemos redefinir ou, pelo menos, ampliar os parâmetros da ciência como um todo.
TOM: Parece que esta ampliação da noção de ciência também requer uma transformação da noção de como deve ser o praticante de tal ciência. Por exemplo, o treino dentro das tradições meditativas requer praticantes que exerçam a moralidade e cultivem virtudes, mas isto não é freqüentemente enfatizado no treinamento de um cientista físico. Parece que a ampliação da noção de ciência, no sentido de incluir o cultivo da introspecção, exigirá muito mais do próprio cientista do que ocorre hoje em dia.
ALAN: Certamente. Nas tradições meditativas, a ética não é uma soma arbitrária. Ética não é um artigo de luxo na busca da verdade. Uma razão para isto se origina do fato de que o instrumento que você está utilizando para investigar os fenômenos mentais é a sua própria consciência, e o aprimoramento da atenção é crucial numa investigação rigorosa como esta. Agora, na perspectiva budista, a mente indomada está normalmente num estado de disfunção, oscilando compulsivamente entre excitação e frouxidão, entre agitação e estagnação. Esta não é uma mente que pode fazer observações seguras acerca de seus próprios
fenômenos internos ou que pode fazer observações externas confiáveis. Os cientistas conseguem não sofrer as consequências de suas distrações somente porque estão respaldados em instrumentos físicos de observação. Quando eles fixam um telescópio, podem tirar sucessivas fotografias, independentemente da atenção deles divagar. Mas no que diz respeito a investigação contemplativa, você não tem qualquer instrumento de observação meditativa que esteja fora da sua própria mente para reunir dados. E porque a atenção, a mente, está embutida na vida, é de se concluir que se a vida for conduzida de uma maneira doentia, com muita raiva, ira, arrogância, inveja, desejo e apego, ansiedade, e assim por diante, a mente não conseguirá se aquietar. Ela não conseguirá se equilibrar. Uma vida imoral é incompatível com o equilíbrio profundo e contínuo da atenção. Portanto, treinar a mente, especialmente treinar a atenção, e simultaneamente equilibrar também as emoções, cultivando a atenção plena, não pode proceder sem uma forte base ética. É sobre a base do treino da mente que, então, e só então, alguém pode fazer uma investigação profunda, rigorosa e fidedigna da mente, uma investigação de primeira mão, e pode fazer descobertas que não só proporcionam grande conhecimento, mas também transformações profundas, até mesmo irreversíveis, como liberdade frente às negatividade internas, dentro da própria mente da pessoa. Então, o cientista contemplativo, se é que posso usar este termo, deve viver uma vida altamente ética, não pode viver uma vida maliciosa, uma vida arrogante, egocêntrica, pois esta é, de fato, incompatível com este modo de investigação.
Contanto que a pesquisa esteja sendo mediada por instrumentos físicos de observação, ou seguindo a trajetória de Galileo, a ética e virtudes pessoais são, em grande medida, irrelevantes. Se levássemos o aparelho de barbear de Ockham para as ciências físicas, poderíamos raspar virtualmente toda ética e ele continuaria funcionando perfeitamente. Altruísmo e compaixão, sentimento de responsabilidade global, de humanitarismo — poderiam ser todos eliminados. O único elemento ético necessário ao progresso da ciência física e do paradigma ocidental é a honestidade: não falsifique seus dados. Há, certamente, vários cientistas que são muito éticos. Não porque eles foram compelidos a isto pela sua própria disciplina científica. Mas sim porque são basicamente pessoas boas, ou religiosas, talvez. Mas eu acredito que muitos cientistas estão mais interessados em trazer um sentido maior de responsabilidade ética para dentro dos seus próprios métodos de
investigação, e do modo como a ciência é utilizada. Então, eu acho que existe muita receptividade aí, e as tradições contemplativas podem prover uma ponte para que isso ocorra, ou pode abrir uma via de investigação que possivelmente poderá tornar a investigação científica como um todo em um empreendimento ético — o que será vantajoso para todo mundo, eu acredito.
TOM: Falando em termos gerais, o Sr. diria que em nossa sociedade o impacto do materialismo científico e da concepção da ciência como sendo puramente objetiva contribuiu para algum tipo de degradação moral?
ALAN: Acredito que sim. Primeiro, na minha opinião, o próprio ideal de pura objetividade na ciência é simplesmente um mito. Como Thomas Kuhn tem eloquentemente demonstrado em seu livro The Structure of
Scientific Revolutions [A Estrutura de Revoluções Científicas], a investigação científica sempre foi influenciada por fatores subjetivos: fatores estéticos, socio-econômicos, religiosos. Esta nunca foi puramente objetiva. Este ideal é, portanto, um mito. O ideal da objetividade, no qual a investigação científica não teria nada a ver com subjetividade ou com valores humanos, desconsidera os seres humanos como seres vivos de um mundo físico real. Uma forma específica de como isso acontece é, na minha opinião, quando os cientistas afirmam, sem questionar, que a mente é apenas o que o cérebro realiza, e que a consciência é apenas um subproduto do cérebro. Considerando estas suposições como se fossem fatos científicos, o que os cientistas estão nos dizendo é que todas as nossas atividades, todos os nossos pensamentos, nossas escolhas, todas as nossas vidas estão absolutamente dominadas pelo cérebro e suas interações com o corpo e com o ambiente físico. O que eles estão efetivamente nos dizendo é que: somos robôs biológicos, somos pre-programados por nossos genes, nossa química cérebral, nossa interação física com o ambiente. Eu acho que estamos também obtendo esta mensagem dos meios de comunicação de massa, do sistema educacional onde há, eu penso, uma irresponsabilidade grosseira em combinar os axiomas metafísicos do materialismo científico com a investigação científica genuína. Agora, se realmente somos robôs biológicos, então não existe algo como responsabilidade moral. O materialismo científico nos deu, portanto, a mensagem — às vezes explicitamente e, às vezes, sutilmente, como pano de fundo — a de que nós não somos moralmente responsáveis por nosso comportamento porque, afinal de contas, nós somos organismos meramente físicos. Esta é uma mensagem desastrosa.
Um segundo ponto é que há uma mensagem sendo dada à grande massa da população: se algo anda errado na sua mente, a fonte do problema é o cérebro porque, afinal de contas, a mente é o que o cérebro faz. Portanto, se você não consegue dormir, se você não pode se acalmar, se você não consegue se concentrar, se é hiperativo, ou se anda muito sonolento, infeliz, ou eufórico — nomeie o que quiser — se você tem qualquer tipo de perturbação mental, a primeira resposta que recebemos de muitas profissões da área de saúde, e da tradição científica como um todo é "que droga você precisa tomar?" Você precisa de uma terapia
de gene? Como você pode consertar a química do seu cérebro? E a mensagem aqui é a de que, o que quer que esteja errado com a sua mente é causado por algo errado com o cérebro, e então, o modo de consertá-lo é submeter-se a uma cirurgia apropriada ou medicamento. Eu acho que esta mensagem é desumanizadora, e claro que é, em grande parte, estimulada comercialmente. A grande maioria das drogas farmacêuticas para a mente não curam nada. Na melhor das hipóteses, elas apenas lidam com os sintomas. E isso significa que você vai ficar dependente daquela droga, seja esta Prozac para depressão ou Ritalin para atenção deficitária e problemas de hiperatividade. Tudo isto é uma conseqüência direta da visão materialista científica da natureza humana e da mente: a visão de que a mente é simplesmente o que o cérebro faz.
TOM: Então, da mesma forma como a combinação da ciência com a visão do materialismo científico leva a estes problemas em nossa cultura e tem efeitos reais em termos de sofrimento das pessoas, o Sr. tem esperança de que havendo uma integração da ciência com as ciências contemplativas; ou, dito de um outro modo, havendo um expansão da noção de ciência de forma a incluir o cultivo de modos de atenção e assim por diante, isto teria efeitos benéficos para a sociedade como um todo? E quais benefícios seriam estes?
ALAN: Esta esperança certamente é a maior aspiração que motivou a fundação do Santa Barbara Institute for the Interdisciplinary Study of Consciousness [Instituto Santa Barbara para o Estudo Interdisciplinar da Consciência]. Uma forma das tradições meditativas trazerem benefício, neste sentido, é nos ajudando a reconhecer que há coisas que podemos fazer, enquanto indivíduos, para lidar com as várias formas de sofrimento que experimentamos. Podemos treinar a mente. Podemos desenvolver novos hábitos. Podemos chegar a descobertas experimentais transformadoras. Podemos modificar nosso comportamento.Podemos modificar o modo como falamos. Podemos modificar nossa atitude e formas de pensar. Podemos cultivar emoções nunca antes experienciadas. E, ao fazermos isto, podemos transformar a mente de forma que fortaleça e enobreça o indivíduo humano. As tradições meditativas podem, portanto se engajar, de forma complementar, com a ciência para investigar questões como: até que ponto, e de que forma, a mente e o cérebro podem ser transformados e mudados como resultado de uma experiência e um treinamento? Especialmente durante os últimos dez anos, a ciência cognitiva tem descoberto que o cérebro, a mente é plástica, em grande medida, sendo capazes de mudar através da experiência. Isto está abrindo portas à uma tremenda e significante cooperação com as tradições meditativas e outras tradições que provêem métodos de transformar a mente a partir da própria mente, ao invés de confiar em recursos materialistas de intervenção física, externa.
TOM: O Sr. se importaria de falar sobre os seus planos específicos de pesquisa de colaboração dos meditadores e cientistas físicos?
ALAN: Entre a miríade de áreas em potencial de pesquisa conjugada, diálogo, etc, das tradições meditativas e científicas mundiais, penso que o estudo da atenção é uma área de importância fundamental. Muitas tradições meditativas do mundo, como o Budismo, já reconheceram a importância enorme do refinamento da atenção para seus projetos contemplativos. Ao mesmo tempo, as ciências cognitivas já reconheceram a tremenda importância da atenção, e existem também estudos maravilhosos das ciências neurais, da psicologia cognitiva, psiquiatria entre outras áreas do conhecimento. O estudo da atenção é uma área onde há um grau enorme de interesse e perícia em ambos os lados da cerca. E esta é uma das razões principais porque me sinto tão atraído pelo assunto.
Então, batizamos esta proposta de pesquisa cooperativa de Shamatha Project. Shamatha é um gênero específico de prática, dentro da tradição budista, para aumentar as habilidades de atenção. Shamata significa serenidade meditativa, onde as perturbações da excitação e frouxidão mentais são acalmadas, onde a mente fica estável, vívida, e relaxada. Isso é shamatha. Eu imagino um programa de treinamento residencial de um ano, num local muito conducente a este tipo de pesquisa sofisticada e sutil. Este local deve ser silencioso, a comida deverá ser provida, e cada participante deve dispor de um quarto próprio. Durante o curso de um ano, os participantes se ocuparão de técnicas de treinamento de atenção, práticas meditativas para melhorar
e equilibrar a atenção, praticando shamatha de oito a dez horas por dia. Este será um trabalho de tempo integral. Embora as técnicas de treinamento sejam retiradas da tradição budista, as pessoas não têm que ser necessariamente budistas para participarem deste treinamento, porque este não está carregado de teoria. A pessoa não tem que acreditar em reencarnação, ou karma, ou budeidade, ou ser budista para se engajar nesta pesquisa. Esta é outra vantagem deste tipo particular de treinamento. Mas o estilo de vida dos participantes tem que ser ético e muito simples ao longo do curso deste treinamento. Pois aqui nós estamos tentando afiar ou afinar uma ferramenta. E isso significa que você precisa de um laboratório muito calmo, como se diz. No momento, estou imaginando que os três primeiros meses será um estudo piloto, com algo em torno de duas dúzias de pessoas. Os nove meses restantes poderão ter, talvez, metade deste número de participantes. De forma que este seria o lado contemplativo do projeto.
Do lado científico, o papel dos neuro-cientistas seria o de usar o funcional MRI — que é um escaneador de cérebro muito sofisticado — para descobrir quais partes do cérebro estão ativadas quando as pessoas entram nestes estados de atenção refinada, e como estas se transformam com o passar do tempo como resultado do treinamento. A cada duas semanas, aproximadamente, teremos realizado algum tipo de estudos do EEG, olharemos a atividade elétrica do cérebro usando a mais moderna e recentemente desenvolvida pesquisa metodológica do EEG. Além destes correlatos do cérebro, medidos por neuro-cientistas, os psicólogos cognitivos estudarão os correlatos do comportamento usando métodos sofisticados de medir atenção e equilíbrio emocional. Nós também podemos, nesta pesquisa de colaboração, surgir com novos procedimentos ou estratégias experimentais para testar os modos particulares de atenção que são desenvolvidos na prática meditativa budista. Assim, este será um trabalho de colaboração do princípio ao fim; quer dizer, nós não iremos simplesmente usar metodologias pré-existentes mas, de fato, confeccioná-las, sob medida, de forma que sejam especificamente adaptadas e sejam capazes de medir rigorosamente, e com precisão, o que acontece neste tipo de treinamento. Haverá um estudo explícito da atenção e da plasticidade da atenção, e dos correlatos neurais de tal plasticidade. Entretanto, este também será um estudo de equilíbrio emocional porque, de acordo com a tradição budista, este tipo de treinamento da atenção também traz grandes benefícios em termos de equilíbrio emocional, de atenuar ou diminuir o sentimento de apego desejoso, ansiedade, raiva e outros tipos de desequilíbrios emocionais. Os participantes deverão desenvolver ou desvelar um sentimento cada vez maior de bem-estar, de equilíbrio emocional, uma sensação de florescimento e de equanimidade. Deverá haver uma clareza maior, um brilho mental. Acima de tudo, deverá aumentar muito a saúde mental e equilíbrio dos participantes deste programa de treinamento. Então, podemos muito bem ter um psiquiatra envolvido nos estudos, porque as implicações para a saúde mental também são muito significativas. Por isso, estou imaginando este projeto de pesquisa como algo profundamente colaborador que reunirá a neuro-ciência, psicologia cognitiva, psiquiatria, e a riqueza de um conhecimento especializado acerca das técnicas contemplativas, explicitamente da tradição budista, mas também podemos ampliar isto para outras tradições que também fizeram contribuições à compreensão de como melhorar a atenção.
TOM: Olhando para o futuro, digamos daqui há várias décadas, qual é a maior aspiração ou desejo que o Sr. tem para o desenvolvimento deste tipo de pesquisa de colaboração? Que rumo poderá tomar?
ALAN: Eu agora estou contente em exercer o papel de visionário. Como isto poderia se desenvolver? Eu posso imaginar instalações de pesquisa meditativa onde existem neuro-cientistas, filósofos, psicólogos que tenham, eles mesmos, se submetido a vários meses de treinamento contemplativo ou que, depois de terem adquirido seus PhDs em alguma ciência natural estejam seguindo rumo a um pós-doutorado em treino contemplativo, de forma que eles possam aperfeiçoar suas próprias habilidades de pesquisa na primeira-pessoa, para complementar as habilidades de pesquisa na terceira-pessoa que eles já tenham desenvolvido enquanto neuro-cientistas, psicólogos cognitivos ou psiquiatras, para que eles adquiram uma compreensão mais profunda da mente na perspectiva da primeira-pessoa. Eu consigo imaginar este tipo de colaboração.
Do lado dos meditadores, eu imagino pessoas que estejam dedicando suas vidas para se tornarem meditadores profissionais, devotando anos a um treinamento profissional rigoroso, contínuo, de oito a quatorze horas por dia, tal como os doutores da medicina, pesquisadores da área de saúde e outros tipos de cientistas que não pensam nada além de gastarem doze horas em um hospital ou laboratório quando estão realizando o cerne de suas pesquisas. Bem, os meditadores já fazem isso há séculos. Permita que haja meditadores profissionais no oeste, que estejam se equiparando ao grau de sofisticação dos cientistas ocidentais, e que estejam de algum modo até os ultrapassando, em termos de dedicação absoluta ao seu campo de pequisa e de investigação. Além disso, eu consigo imaginar meditadores profissionais estudando as ciências naturais e talvez adquirindo diplomas em psicologia, neuro-ciência e medicina. Portanto, nós não temos meditantes enfileirados de um lado e cientistas e doutores médicos enfileirados do outro. Há muitas experiências compartilhadas. Nós estamos em colaboração nessa aventura, estamos integrando profundamente as metodologias de primeira-pessoa e de terceira-pessoa para o aprimoramento de todos. Isso enriquecerá tanto as tradições meditativas como a tradição científica. Eu pressinto que, em ambos os lados da cerca, há um grau comparável de abertura mental, de atitude crítica, de ceticismo rigoroso e inteligente, livre de dogmatismo. Deixem que os cientistas abandonem o dogmatismo do materialismo científico. E igualmente permitam que os meditantes combinem dogma religioso com investigação empírica.
E finalmente, para terminar adequadamente esse nosso devaneio, tal facilidade também treinaria os especialistas, tal como na medicina, onde as pessoas se tornam peritas em cirurgia do cérebro ou do coração. Bem, permitamos que existam também os especialistas em investigação contemplativa. Outros poderiam ser peritos no cultivo do coração. Podemos ter sonhadores lúcidos especializados. Podemos ter peritos em todos os campos de especialização da investigação contemplativa. Então, estes peritos poderiam colaborar com cientistas naturais do mundo inteiro. Por exemplo, poderia haver pesquisa na Sorbonne em Paris sobre a imagem mental onde o cientista quisesse saber o que acontece no cérebro quando uma pessoa sustenta na mente uma imagem mental, de forma vívida e contínua, por uma hora, e então poderia fazer uma rotação ou manipulação desta imagem mental, mudando sua cor ou forma, girando-a sobre o seu eixo e assim por diante. Para realizar esta pesquisa, eles precisariam de sujeitos treinados que conseguissem sustentar uma imagem durante uma hora, de forma vívida e estável. Assim, eles poderiam contatar o Instituto Santa Barbara e dizer, "De quem vocês dispõem? Nós gostaríamos de trazer tal pessoa aqui por seis meses." Eles seriam colaboradores totais na pesquisa, não apenas 'porquinhos da Índia'. Eles ajudariam no plano da experiência ou melhorariam o protocolo para que fosse produzida a melhor pesquisa possível. Então, quando os documentos científicos forem publicados, serão co-escritos pelos meditadores tanto quanto pelos neuro-cientistas, ou quem quer que esteja participando. Há, portanto um potencial de colaboração enorme aí.
Um ponto final é que, de acordo com certas afirmações, provenientes de várias tradições meditativas do mundo, quando a consciência é refinada através do desenvolvimento de estados profundos de concentração meditativa, esta tem uma capacidade enorme de percepção extrasensorial e vários tipos de habilidades paranormais. Como tenho uma bagagem razoável de experiência científica, jamais pediria a qualquer cientista que aceitasse tal afirmação como verdadeira, simplesmente porque algum lama tibetano, um mestre taoísta ou um swami indiano assim afirmou. Mas existem muitas asserções deste tipo, feitas por pessoas inteligentes e bem cultas, tanto do Leste como do Oeste, de várias tradições meditativas. No entanto, tais afirmações sobre os potenciais da consciência, quando esta torna-se refinada de um modo tal, quase nunca foram testadas cientificamente. Nunca tivemos um laboratório meditativo onde estas afirmações pudessem ser estudadas por um período de várias décadas. Afinal de contas, há estudos científicos que perduram por esse tanto de tempo, especialmente na área da medicina, por exemplo. Eles perduram por trinta anos, e então os dados são coletados e publicados em artigos. Deveríamos ter um projeto de pesquisa de colaboração entre os cientistas naturais e os meditantes que permanecesse com os mesmos sujeitos por um período de várias décadas. Assim, poderiam ser demonstrados os potenciais de consciência que as tradições contemplativas têm desvelado através dos séculos e milênios, e sobre os quais a tradição científica moderna, sob a dominação do materialismo científico, nada sabe.
Portanto, eu tendo a achar que, da mesma maneira como nós encontramos a primeira era axial, no 6º século antes da era comum, quando havia uma extraordinária sincronicidade na China, na Índia, na tradição judaica e grega, provocando revoluções culturais extraordinárias em vários lugares e quase que simultâneamente no mundo todo, nós poderíamos estar entrando agora numa segunda era axial, pois estamos vendo as grandes tradições do oriente e ocidente entrando em contato umas com as outras, com uma atitude de respeito mútuo, de apreciação mútua, e determinadas a investigar a natureza da realidade com uma mente aberta. Nós podemos estar à beira de uma tremenda transição aqui. Não só porque isto poderia desvendar descobertas maravilhosas, que serão de grande interesse e fascinação, mas também porque poderia trazer benefícios pragmáticos que renderiam dividendos à humanidade como um todo. Com a colaboração mútua dos meditantes e cientistas, podemos estar nos movendo em direção a uma revolução científica que irá exceder qualquer coisa desde Galileo.
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