16.5.11

intolerância religiosa = muçulmanos são violentos e budistas são pacíficos?


Bangcoc, 16 maio 2011 (RV) – A semana começa tumultuada na região sul da Tailândia, onde dois monges budistas morreram e dois soldados ficaram feridos com a explosão de uma bomba detonada por supostos insurgentes muçulmanos. 

Fontes do governo informaram que a explosão foi acionada por um celular, no momento em que os monges percorriam as ruas para receber doações de comida dos devotos. Os dois soldados atingidos estavam acompanhando os monges, visto que são alvos da guerrilha separatista islâmica, a qual repudia a política de assimilação cultural budista de Bangcoc e exige a criação de um estado islâmico. 

Esse movimento extremista recomeçou a fazer ataques armados a parir de 2004. Desde então, 4.500 pessoas já morreram nas províncias de Yala, Pattani e Narathiwat, todas no sul do país. Assassinatos e atentados acontecem agora quase diariamente. Nessas regiões, foi decretado, inclusive, o estado de exceção, medida caracterizada pela suspensão temporária de direitos e garantias constitucionais que proporciona agilidade na tomada de decisões para casos de proteção do Estado.

95% dos tailandeses são budistas, somente 4,6% muçulmanos, estes concentrados no sul. (ED)



O BUDISMO NA TAILÂNDIA: DESVIO IDEOLÓGICO ?


[...] a situação entre monges, governo e o povo da Tailândia tem-se complicado bastante nos últimos anos. Ano passado, no dia 29 de maio, em Bangcoc, capital do país, a polícia dispersou 50 mil manifestantes que se reuniram diante do templo Dhammakaya, em apoio aos monges lá residentes. Sobre esses monges pendem graves acusações como ter acumulado bens pessoais avaliados em mais de um bilhão de dólares, frutos das ofertas dos fiéis, durante mais de 30 anos. Os monges desse templo formariam uma seita que tem ramificações no mundo inteiro e que, ultimamente, andaria espalhando histórias de milagres para aumentar a arrecadação. O inquérito policial em andamento contra os monges provocou um profundo exame de consciência em todo o budismo tailandês.

O mal-estar no budismo tailandês

Não é só entre os monges do templo Dhammakaya que se vive essa situação de mal-estar. Ela é característica, hoje, de todo o budismo tailandês. É difícil dizer como se chegou a esse ponto e como sair dele. Muitas foram as causas que contribuíram para criar essa situação:

· a interferência do governo, que exerce um controle violento e agressivo sobre tudo o que se refere à religião. Os monges aprenderam a não reagir, por medo; deixaram de ter contato com os habitantes das aldeias e vivem controlados pelos ricos e os políticos;
· a hierarquia dos monges não se atualizou, manteve as mulheres sempre marginalizadas, não tomou posição
 sobre graves problemas e preferiu ficar calada;
· os monges, incapazes de pensar por eles mesmos e de agir de maneira responsável, tornaram-se executores de ordens dos poderosos;
· um sistema educacional ultrapassado, que remonta ao começo do século; os monges dirigentes têm medo de toda novidade que eles não possam controlar;
· o apego ao dinheiro que está levando a uma corrupção generalizada; ainda que alguns continuem seguindo os princípios do budismo quanto ao desapego dos bens materiais, muitos já possuem polpudas contas em bancos.

Com essas premissas, não causam surpresa as acusações de corrupção contra os monges. Aliás, numa situação como a da Tailândia, toda e qualquer religião descambaria para o conservadorismo, a observância puramente exterior e a perda de seus verdadeiros ideais.

excelente artigo de um ex-diplomata brasileiro na tailândia:
http://www.faap.br/revista_faap/rel_internacionais/rel_03/braga.htm


AGORA: OS MUÇULMANOS SÃO, NATURALMENTE, VIOLENTOS ?

Em memória de minha eterna orientadora - Vitória Peres de Oliveira

[...] tanto a intolerância quanto à violência são tendências humanas que podem se expressar em qualquer um de nós em momentos diversos da nossa vida e que não estão atreladas a nenhuma religião em particular e nem mesmo ao que chamamos religião em geral. [...]

Sobre a violência

A raiz árabe da palavra Islã quer dizer submissão, submissão à vontade de Deus, e também quer dizer paz. Quem se submete à vontade de Deus tem paz, faz a paz. 

Alguns grupos de muçulmanos entretanto, vivem e interpretam seu texto sagrado para justificar a violência, a guerra santa e até mesmo o terrorismo, como fazem isto e em que se fundamentam, esta é, na minha opinião, a perspectiva que se deve buscar. Sayed Hussein Nasr, um estudioso muçulmano, defende que a idéia de guerra no Islã se apresenta com o sentido de estabelecer a paz. Segundo ele, o Islã acentua o aspecto positivo da combatividade. 

A jihad é normalmente traduzida entre nós como guerra santa, mas segundo as fontes muçulmanas quer dizer literalmente esforço, mais especificamente se refere a uma frase do Corão “esforçar-se no caminho de Deus”. Há a grande jihad e a pequena jihad. Conta-se que o Profeta Muhammed, uma vez retornando de uma guerra, disse que essa era a pequena jihad e que a grande jihad era a batalha interna que se trava para combater nossas paixões e defeitos, submetendo nossa natureza inferior. Portanto, a guerra santa menor ‘jihad al asghar’ se refere ao combate externo para preservar a religião e a maior ‘jihad al akbar’ ao combate interno realizado pelo crente. Este combate interno é que de fato, segundo uma interpretação, representa a verdadeira guerra santa.

No Islã se chama os combatentes da jihad, de sharide ou mártires. Vozes moderadas do Islã têm enfatizado que o uso atual de jihad e de sharide, em relação ao terrorismo ligado a muçulmanos, é totalmente descontextualizado e ideológico, já que os terroristas matam inocentes. E isto é proibido segundo a sharia (lei divina muçulmana) que, quando trata da jihad, afirma que os combatentes das guerras santas não deveriam matar mulheres e crianças, a menos que elas atacassem primeiro, e exorta a esses combatentes para que não torturem ou mutilem prisioneiros, determinando também bom tratamento aos não-combatentes. As vítimas dos terroristas são em geral, não-combatentes e há mulheres e crianças.

Os muçulmanos ainda afirmam que no Corão, o mártir ou sharide, é aquele que morre pela face de Deus e que este não seria o caso dos terroristas, tomados como estão por um discurso equivocado e ideologicamente confuso de combater o Ocidente ateu e materialista que vem ferindo a comunidade ‘ummah’ muçulmana. Muitos muçulmanos atribuem, portanto, esse terrorismo a causas econômicas e políticas, que se escondem atrás de uma roupagem religiosa, como forma de justificar e mobilizar seus seguidores. Alguns autores inclusive sugerem que isto é Islamismo e não Islã, buscando diferenciar o uso ideológico da religião.

A grande questão que temos que pensar junto com eles, é se é possível uma tolerância em todos os níveis dentro de comunidades regidas por um texto sagrado, onde as verdades são absolutas e podem sempre ser interpretadas de uma forma que leve a estigmatizarão de um grupo. A religião é sempre uma linguagem de absolutos, este tem sido o seu fascínio e seu risco, resta-nos estar atentos, refletir e buscar respostas. 

Por isso, escolhi para concluir um poema de Ibn ‘Arabi, místico sufi do final do século XII, que viveu dentro da cultura islâmica e foi capaz de produzir uma obra que afirmava a abertura e a tolerância e ia além dos limites estreitos e institucionais das crenças:

“Meu coração está aberto a todas as formas;
É uma pastagem para as gazelas,
É um claustro para os monges cristãos,
Um tempo para os ídolos,
A Caaba do peregrino,
As tábuas da Tora,
E o livro do Corão.
Professo a religião do amor,
Em qualquer direção que avancem Seus camelos;
A religião do Amor será minha religião e minha fé.”
*Universidade Federal de Juiz de Fora
Departamento de Ciência e Religião



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