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Perspectivas Evolucionistas Acerca da Religião


Perspectivas Evolucionistas Acerca da Religião
25, março, 2011


Muitas pessoas buscaram explicações para a natureza da religião – porque ela é tão comum em grupos humanos e porque ela parece ser “natural”, já que é encontrada em tantas sociedades e tribos?

Afinal de contas, muitas religiões estimulam comportamentos de alto custo reprodutivo, como atentados suicidas (e.g. homem-bomba), mutilação genital e o celibato (Bulbulia, 2007). Além disso, alguns rituais religiosos exigem sacrifício de recursos e são exaustivos, perigosos, dolorosos e cansativos.

E se deus não existir, como muitos pensam, as pessoas que acreditam nele estão sistematicamente errando os seus julgamentos acerca do mundo e a seleção natural deveria ter reduzido ou eliminado tendências religiosas, pois entender o mundo de forma errada normalmente incorre em custos altos (e.g. não perceber que um tigre está vindo na sua direção ou pensar que deus irá protegê-lo do tigre).

Algumas das explicações mais comuns fazem referência à necessidades humanas críticas, como a vontade de evitar infortúnios, a morte ou de compreender o universo, mas muitas destas explicações se baseiam em noções erradas sobre religião (Boyer, 2003) e não possuem evidências advindas de testes empíricos destas explicações.



A ênfase na questão da morte e da salvação da alma é uma característica restrita a algumas poucas doutrinas e quase inexistente na maioria das outras tradições religiosas; a maioria das religiões não produz explicações sobre os fenômenos naturais do universo, pelo contrário, elas costumam valorizar o mistério da natureza (Boyer, 2003).

Nos últimos anos, o fenômeno religioso tem sido investigado por muitos psicólogos e antropólogos que fizeram uso de novas perspectivas evolucionistas possibilitadas por trabalhos recentes na biologia, na psicologia cognitiva, na arqueologia e na antropologia (Boyer e Bergstrom, 2008).

Os modelos evolucionistas usados para estudar o fenômeno religioso buscam explicar a variação observada em termos de certos fatores comuns à todas religiões. Alguns exemplos de aspectos que variam entre as religiões são as representações mentais de agentes “não-físicos” (e.g. fantasmas, deuses), rituais, intuições morais, tipos de experiência visando a comunicação e a proximidade com agentes não-físicos, afiliação étnica e processos de coalizão vinculados à agentes não-físicos (Boyer e Bergstrom, 2008).

O que todos estes modelos evolucionistas compartilham é o pressuposto de que a evolução fornece o contexto para compreenderalgumas ou muitas destas caracterísiticas, mas sem pressupor que estas características são observados juntas em todas as religiões.


A evolução humana resultou em disposições que tornam os seres humanos sensitivos à certos estímulos contextuais e à aquisição de certos tipos de informações, mas estas disposições não resultam sempre nos mesmos comportamentos (Boyer e Bergstrom, 2008), portanto, a variação já é prevista pelos modelos evolucionistas.

Grande parte destes modelos evolucionistas sobre a religião se pautam na teoria da coevolução gene-cultura, ou teoria da dupla herança, encabeçada pelos antropólogos Robert Boyd e Peter Richerson que a descrevem no livro Not by Genes Alone: How Culture Transformed Human Evolution.

A pressuposição tomada a partir desta teoria é que as representações e práticas culturais que observamos são variações encontradas em formas aproximadamente similares em um grupo particular de pessoas porque resistiram à mudança e à distorção através de inumeráveis processos de aquisição, armazenamento, inferência e comunicação (Boyer e Bergstrom, 2008).

A comunicação humana é um fenômeno que nunca consiste no download direto de informações ambientais, visto que produz representações diferentes em mentes diferentes – consiste, pelo contrário, na construção de novas representações mentais a partir de diversos aspectos da fala e do comportamento de outras pessoas (Boyer e Bergstrom, 2008). A existência de uma grande similaridade entre representações de informações culturais em mentes diferentes (e.g.religiões) requer uma explicação especial – é ai que disposições cognitivas se tornam fundamentais dentro dos modelos evolucionistas.



Deborah Kelemen é uma psicóloga que se dedica à compreensão do desenvolvimento cognitivo de crianças. Em uma série de estudos, ela tem investigado a formação de conceitos em crianças e como elas entendem o mundo natural.

Os resultados tem indicado repetidamente uma certa tendência teleológica “promíscua” de explicar fenômenos naturais em termos de intencionalidade na natureza e de propósito (Kelemen, 1999a; 1999b; 2003; Kelemen e Rossett 2005; Kelemen et al. 2009) e se estendendo também à adultos (Kelemen et al., 2009).

Estudos adicionais indicaram que esta tendência intuitiva não poderia ser explicada diretamente pela instrução dos pais nem pela religiosidade cultural do contexto onde a criança vive (Kelemen, 2003; Kelemen et al., 2009). Outro estudo encontrou evidências de que esta tendência nas crianças se estende à uma preferência por explicações criacionistaspropriamente ditas, ou seja,à uma tendência de entender fenômenos naturais como criações de um agente não-humano (Knight et al., 2004).

A melhor explicação para estes resultados, sugere Kelemen (2004), é que as crianças são teístas intuitivas, e o são por conta de sua estrutura mental humana que é naturalmente inclinada a privilegiar explicações que caracterizem a natureza como um artefato intencionalmente projetado.

O antropólogo cognitivo Stewart Guthrie propôs que experiências religiosas se relacionam com tendências naturais de generalizar a presença de intencionalidade humana na natureza, ou seja, deantropomorfizar as coisas.

Esta tendência deve ter um histórico evolutivo importante para a espécie, visto que outras pessoas são importantes para o sucesso reprodutivo de um indivíduo e ao mesmo tempo podem oferecer grandes ameaças, logo é fundamental identificar agentes quando eles estão próximos. Guthrie propôs que os seres humanos poderiam ter desenvolvido um Dispositivo de Detecção de Agente Hiperativo, proposta essa corroborada por muitas evidências de que tendemos a antropomorfizar as coisas, como ver rostos em nuvens e sombras como vilões (Bulbulia, 2007).

Pascal Boyer é um antropólogo/psicólogo cognitivo que estuda o pensamento e o comportamento religioso. A pesquisa de Boyer sugere que as idéias religiosas são conceitualmente configuradas para ativar mútiplos aspectos dos sistemas de inferência intuititva que governam nossa compreensão do mundo, ou seja, que as representações religiosas que armazenamos são organizadas de tal forma que ativam processos cognitivos responsáveis pelo nosso entendimento.


Boyer produziu evidências experimentais de que conceitos sobrenaturais são intrinsacamente memoráveis (Boyer e Ramble, 2001), e porque eles violam nossas expectativas intuitivas sobre a natureza são ao mesmo tempo impressionantes e apresentam baixas demandas de memória (Bulbulia, 2007).

Em seu livro Religion Explained de 2002, Boyer discute um corpo de evidências baseadas em modelos evolucionistas que conectam aspectos dos conceitos religiosos, evidências experimentais de sistemas cognitivos subjacentes, pistas acerca das bases genéticas destes sistemas e hipóteses precisas sobre as vantagens reprodutivas de possuir tais capacidades cognitivas (Boyer, 2003).

Segundo Boyer, uma das possíveis explicações para o fenômeno religioso é que situações de infortúnio são representadas mentalmente em termos de interação social, independente da pessoa ser religiosa ou não (Boyer, 2003). Essa tendência seria um subproduto da hipertrofia da inteligência social humana, uma característica dos seres humanos que reflete sua extrema dependência de uns com os outros. Essa capacidade poderia ser responsável pela extrapolação humana de perceber intencionalidade na natureza, visto que o ser humano possuiria adaptações psicológicas capazes de “perceber agentes sempre que algum puder ser percebido”, por via das dúvidas (melhor perceber erroneamente do que não perceber alguém).

Duas observações que corroboram esta explicação são que as pessoas supõem a existência de um “agente causador” envolvido em situações de infortúnio, mesmo que não evoquem entidades sobrenaturais (e.g. caça às bruxas); e quando entidades sobrenaturais são evocadas, as pessoas atribuem à elas uma lógica intuitiva de troca social, baseada em recursos trocados com a entidade (e.g. eu rezo, você me ajuda).

Boyer propõe que crenças relatadas sobre agentes sobrenaturais são interpretações dos própios estados mentais. Processos mentais especializados na produção de tais crenças explícitas seriam os responsáveis pela “crença das pessoas no que elas crêem” – explicações post-hoc acerca da operação e do resultado de outros processos mentais que as pessoas não tiveram consciência (Boyer, 2003). Em suma, tais crenças em espíritos ou deuses seriam vistas de forma plausível por muitas pessoas porque pensar sobre eles ativaria processos de detecção de agência , de troca social e de muitos outros processo que não explorei aqui.


Bulbulia é um pesquisador na área da ciência cognitiva da religião e argumenta que a religiosidade é uma adaptação evolutiva, pois do contrário fica difícil resolver o problema do custo. Este problema se relaciona com o fato de que, devido aos altos custos envolvidos em muitas práticas religiosas, seria muito difícil explicar porque a religião se tornou tão universal em culturas humanas, já que ela estimula vários comportamentos e representações mentais não adaptativas, como citadas no começo do texto.

Uma das argumentações que Bulbulia propõe em favor da hipótese adaptacionista é baseada na teoria da sinalização dispendiosa. A teoria propõe que podemos entender o valor adaptativo de muitos dos custos práticos das religiões se pensarmos na forma como pessoas religiosas irão identificar outras pessoas religiosas.

Pessoas cooperadoras buscam trocar recursos com outras pessoas cooperadoras, visto que interagir com pessoas não-cooperadoras ou trapaceiras pode resultar em perdas sem retornos. Mas para identificar outros cooperadores, pessoas cooperadoras precisam produzir sinais que os diferenciem de trapaceiros.

Assim sendo, a seleção precisaria equipar pessoas religiosas com a capacidade de produzir sinais que somente pessoas religiosas consigam produzir, a fim de evitar que trapaceiros imitem os sinais e se passem por religiosos para aproveitar os privilégios de ser considerado um. Portanto, um sinal trivial poderia facilmente ser imitado por um trapaceiro.

Estes sistemas de sinalização são observados em muitas espécies de animais, que foram selecionadas por conseguirem perceber e transmitir a outros organismos o seu nível de comprometimento cooperativo, força, adaptação e velocidade (Bulbulia, 2007). Uma sinalização eficiente precisa ser de tal forma que somente um organismo que possua de fato a propriedade ou intenção relevante conseguirá produzi-la.

No caso da religiosidade, as emoções religiosas e os rituais demonstram muitas funcionalidades quanto à sinalização de compromisso com a religião.

As emoções são de difícil manipulação por parte de um trapaceiro e demonstram compromisso e motivações devocionais por parte das pessoas. Os rituais reúnem os integrantes para que comuniquem suas intenções, ensinem as doutrinas a serem seguidas, promovam leis e forjem alianças, além de fornecerem fóruns onde as emoções religiosas e outras sinalizações dispendiosas de compromisso possam ser produzidas e avaliadas pelos outros (Bulbulia, 2007). Os rituais funcionariam como filtros onde apenas pessoas realmente religiosas estariam dispostas a frequentar o ritual e incorrer nos custos envolvidos, por mais que, mesmo assim, alguns trapaceiros conseguissem se passar por religiosos.

Estudos experimentais corroboraram algumas hipóteses que esta teoria prediz, como um estudo que encontrou uma preferência dos homens de uma ilha de Honduras (Utila) por mulheres religiosas, mas não das mulheres por homens religiosos (Irons, 2001). A idéia é que a sinalização religiosa é favorecida em mulheres de Utila por ser um sinal de virtude sexual ou de fidelidade, pois muitos homens desta ilha vivem longos períodos trabalhando no mar, o que resulta em grandes riscos de suas mulheres engravidarem de outros homens, ou seja, em altos custos reprodutivos para estes homens.

Muito trabalho ainda precisa ser feito no estudo da religiosidade, visto que, apesar de termos muitas pistas e evidências que apontam caminhos a serem seguidos nessa exploração, os avanços proprocionados pelos modelos evolucionistas e cognitivos ainda são muito recentes e pouca coisa entendemos deste fenômeno tão complexo e comum nos grupos de seres humanos.

Referências:

Boyer, P. (2003). Religious thought and behaviour as by-products of brain function. Trends in Cognitive Sciences, 7, 119-124.

Boyer, P., & Bergstrom, B. (2008). Evolutionary perspectives on religion. Annual Review of Anthropology, 73, 111-130.

Boyer, P., & Ramble, C. (2001). Cognitive templates for religious concepts: cross-cultural evidence for recall of counter-intuitive representations. Cognitive Science, 25, 535-564.

Bulbulia, J. A. (2007). The evolution of religion. In R. Dunbar & L. Barrett (Eds.), Oxford Handbook of Evolutionary Psychology (pp 621-635). Oxford: Oxford University Press.

Evans, E.M. (2000). The emergence of beliefs about the origin of species in school-age children. Merrill Palmer Quarterly, 46, 221–254.

Irons, W. (2001). Religion as hard-to-fake sign of commitment. In R. Nesse (ed.) Evolution and the Capacity of Commitment. Russell Sage Foundation, New York.

Kelemen, D. (1999a). The scope of teleological thinking in preschool children. Cognition, 70, 241–272.

Kelemen, D. (1999b). Why are rocks pointy? Children’s preference for teleological explanations of the natural world. Developmental Psychology, 35, 1440–1453.

Kelemen, D. (2003). British and American children’s preferences or teleofunctional explanations of the natural world. Cognition, 88, 201–221.

Kelemen, D. (2004). Are children intuitive theists? Reasoning about purpose and design in nature. Psychological Science, 15, 295-301.

Kelemen, D., Callanan, M., Casler, K., & Pérez-Granados, D. R. (2005). Why things happen: Teleological explanation in parent-child conversations. Developmental Psychology, 41, 251–264.

Kelemen, D., & Rosset, E. (2009). The human function compunction: Teleological explanations in adults. Cognition, 111, 138-143.

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Knight, N., Sousa, P., Barrett, J. L., & Atran, S. (2004). Children’s attributions of beliefes to humans and God: cross-cultural evidence. Cognitive Science, 28, 117.

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