9.5.11

Psiconeuroimunologia - TÉCNICAS DE RELAXAMENTO E VISUALIZAÇÃO NA PSICOLOGIA DA SAÚDE



Publicada na Revista de Psicologia da IMED, vol. 1,n. 1, p. 24- 33, 2009 


Marisa Campio Muller1, Prisla Ücker Calvetti2, Luciana Balestrin Redivo3, Júlia Gaertner Geyer4, Rafaela Behs Jarros5

1 Psicóloga. Doutora em Psicologia Clínica pela PUCSP. Docente do Curso de Especialização em Psicossomática da Sociedade Sulriograndense de Psicossomática (SSMP) e Faculdade de Psicologia da UNISINOS. Membro efetivo do Instituto Brasileiro de Psicologia da Saúde (IBPS). 


2 Psicóloga. Doutoranda em Psicologia pela PUCRS. Membro efetivo do Instituto Brasileiro de Psicologia da Saúde (IBPS). 

3 Psicóloga. Mestre em Psicologia Clínica pela PUCRS. Docente da Faculdade de Psicologia da PUCRS. 
Membro efetivo do Instituto Brasileiro de Psicologia da Saúde (IBPS).

4 Psicológa pela PUCRS. Membro efetivo do Instituto Brasileiro de Psicologia da Saúde (IBPS).

5 Psicóloga pela PUCRS. 

RESUMO 

Este artigo visa discutir a utilização das técnicas de relaxamento e visualização em pacientes com enfermidades orgânicas na Psicologia da Saúde. Estas técnicas são recursos complementares na integração mente-corpo no que se refere ao entendimento do processo saúde-doença. As imagens mentais advindas desta experiência tendem a auxiliar na ampliação de consciência, em relação à doença na vida da pessoa. A Psiconeuroimunologia fundamenta a integração mente-corpo destacando-se as áreas da Psicooncologia e da Psicodermatologia. As imagens visualizadas de cura tendem a estimular no fortalecimento do sistema imunológico e a participação ativa do paciente no processo de recuperação da sua saúde. 

Palavras-chaves: psicologia da saúde; psiconeuroimunologia; relaxamento; visualização.



Introdução 

A Psicologia da Saúde trata de uma perspectiva biopsicossocial que interage em conjunto para determinar o processo saúde-doença (Keefe & Blumenthal, 2004; Suls & Rothman, 2004; Straub, 2005). A partir desta área, o presente artigo tem por objetivo discutir a utilização das técnicas de relaxamento e visualização em intervenções em Psicologia da Saúde. 

A Psiconeuroimunologia se refere à interligação dos sistemas psíquico, neuroendócrino e imunológico (Elias & Giglio, 2001) e tem auxiliado no entendimento das técnicas de relaxamento e visualização na Psicologia da Saúde. Uma revisão dos fatores psicológicos implicados na alteração do sistema imunológico é trazida por Irwin (2008). O autor ressalta a importância do psicólogo e outros profissionais da saúde para compreender as múltiplas facetas implicadas na comunicação mente-cérebro, o que traria benefícios diretos a ambos aspectos, orgânicos e psicológicos. Ramos (2007) refere que todas as doenças tendem a ser consideradas como sendo psicossomáticas, envolvendo esta interrelação na origem, desenvolvimento e cura de enfermidades. 




A área da psicofisiologia tem sido estudada por diversos pesquisadores. A observação da resposta de relaxamento decorrente de padrões específicos de pensamento, resulta em alterações fisiológicas, tais como diminuição do consumo de oxigênio, eliminação do dióxido de carbono e mudanças na pressão arterial (Farah, 1995). As técnicas de relaxamento e visualização tornam-se um recurso complementar no processo integrativo entre mente e corpo, no que se refere às pessoas portadoras de enfermidades orgânicas (Elias & Giglio, 2002; Achterberg, 1996; Carvalho, 1994; Epstein, 1990). 



As técnicas de relaxamento e visualização

O relaxamento e a visualização são técnicas na Psicologia da Saúde que visam ajudar os pacientes no manejo do estresse, através de reeducação, mudança de atitude e Relaxamento e visualização em psicologia  reprogramação mental, visando redução de estresse (Nunes, 2005). A mente, através dos pensamentos, imagens, crenças, memórias e emoções, pode alterar a estrutura bioquímica e o sistema nervoso, sendo esta interação é constante e involuntária. Carvalho (1994) destaca que a visualização tem sido usada nos processos de cura desde os tempos mais remotos. Há informações de curas na China, no século XVII a.C, no Egito, no Tibet, na Grécia, na África, entre os esquimós e índios norte e sul americanos. 

Também Asclépio, Aristóteles e Hipócrates utilizavam a visualização para o diagnóstico das doenças e para os tratamentos. A imagem mental, segundo o mesmo autor, é um processo psicobiológico natural ao homem, que acontece sempre, propositadamente ou não. Na definição de Achterberg (1996) é o processo de pensamento que invoca e usa os sentidos: visão, audição, olfato, paladar, sentidos do movimento, posição e tato. É considerado o mecanismo de comunicação entre percepção, emoção e mudança corporal. Já para Epstein (1990) as imagens mentais são um tipo de pensamento usado, para fazermos contato com nossa realidade subjetiva interna, sendo a expressão mental de um sentimento que também se apresenta no físico. 

A inter-relação entre os neurônios e suas atividades é primordial para o pressuposto de que a imaginação funciona como mecanismo de integração entre os processos mentais e físicos. Para Achterberger (1996) o processo de relaxamento e visualização é entendido através do seguinte processo: o córtex é constituído por dois hemisférios conectados por um grande feixe de fibras, chamado corpo caloso. A comunicação entre os dois hemisférios é sustentada pelos neurônios. O hemisfério direito contém os componentes específicos relevantes ao armazenamento e recuperação das imagens, sendo as não verbais usadas para processar os pensamentos. 

As imagens não verbais possuem um papel predominante no processamento da informação emocional. Desta forma, existe uma relação direta com o sistema nervoso autônomo, demonstrado pela extensa rede de conexões neurais entre o hemisfério direito e o sistema límbico. Para que essa emoção possa ser entendida, ela é traduzida pelo hemisfério direito em uma terminologia não verbal ou imagética. Esta imagem, para ser processada, resulta num pensamento significativo e lógico que também deve ser admitida e traduzida pelo hemisfério esquerdo (Müller, 2001). Pode-se conceber o hemisfério esquerdo como uma ligação com o meio externo – o pensamento lógico, a linguagem – emquanto que o hemisfério direito é o meio de comunicação entre a consciência e o meio interno do corpo (Achterberg, 1996). 

Em relação ao entendimento do processo saúde-doença, Simonton (1987) coloca que o primeiro ponto é encontrar os fatores relacionados à diminuição da resistência à doença. O segundo ponto é o relaxamento, que como coloca Lawlis (1999), é uma forma das pessoas lutarem contra a angústia e possibilitar uma ampliação da consciência. O terceiro ponto é então a visualização positiva, que tem por objetivo reforçar as defesas imunológicas.


Pesquisas sobre a intervenção do relaxamento e da visualização

Desde a década de 1970, a psiconeuroimunologia acumulou pesquisas sobre a evidência da inter-relação mente-corpo. Na área da Dermatologia, Azambuja (2000) salienta que a pele participa deste sistema integrado como órgão que pode influenciar processos internos - psicológicos e emocionais. Ela atua como uma extensão do sistema nervoso e como órgão imunitário. Além disso, a pele reflete a imagem que a pessoa faz de si mesma, bem como representando o contato com aspectos intrapsíquicos (estresse, ansiedade, depressão) e com aspectos externos (relações interpessoais, ambiente). As pesquisas de Simonton (1987), na década de 70, a respeito do câncer e a utilização da visualização como técnica de relação mente-corpo, foram consideradas pioneiras na área da oncologia. Esses estudos muito contribuíram para o modelo integrativo do processo saúde-doença. 

Souza e Quayle (2003) realizaram um estudo com o objetivo de avaliar a contribuição do uso das técnicas de relaxamento e visualização em mulheres com diagnóstico de fibromialgia. Os resultados encontrados indicaram diminuição no padrão e intensidade de dor, mas não alívio permanente. 

A resposta de relaxamento a pessoas com dores causadas por tensão muscular, infertilidade, insônia, arritmias cardíacas, tensão pré-menstrual e outros sintomas relacionados ao câncer e a AIDS tem auxiliado a diminuir os danos causados pelo estresse. Além destas patologias, esta técnica também tem sido utilizada em pessoas com psoríase, asma e hiperatividade. A mente não distingue uma imagem real daquela que é imaginada. Isto acontece devido a um processo de orientação dos padrões de pensamento durante a prática da imaginação, quando o sistema neurológico induz o organismo a reagir à imagem mental como se fosse real (Rossi, 1995). Achterberger (1996) cita vários exemplos de pesquisas realizadas demonstrando os correlatos fisiológicos da imagem, tais como aumento da salivação, alteração do sistema imunológico, vascular e da pele, intermediados pelo sistema nervoso autônomo. A mesma autora refere as seguintes descobertas sobre imaginação e fisiologia: as imagens estão relacionadas aos estados fisiológicos; elas podem anteceder ou suceder alterações fisiológicas, indicando um papel de causa e efeito; podem ainda ser induzidas por comportamentos conscientes, e por eventos inconscientes; por último, as imagens podem evidenciar uma influência sobre o sistema nervoso voluntário (periférico) e sobre o sistema nervoso involuntário (autônomo). 

Pesquisa realizada por Alburquerque e Cavalcanti (1998) buscou um referencial teórico que subsidiasse o método de relaxamento como estratégia de assistência de enfermagem. Este estudo teve o objetivo de atender às necessidades da pessoa frente ao estado de doença, além de ser utilizado pelo profissional de enfermagem no enfrentamento estresse, inerente à prática profissional. Concluiu-se que a técnica de relaxamento necessita ser desenvolvida a fim de auxiliar no bem-estar da pessoa. Pode ser considerada como uma estratégia de coping em relação ao estresse, ajudando o profissional na percepção do paciente e a si mesmo. 

A Psicooncologia, área interdisciplinar que abrange a integração entre psicologia e oncologia, desenvolve ações de prevenção, tratamento e reabilitação do câncer. Este campo de estudos busca identificar os aspectos psicossociais envolvidos no enfrentamento da doença, e desta forma propor intervenções que possam auxiliar neste processo. A psicoterapia se propõe a ajudar o paciente e seus familiares a vivenciar as situações estressantes de forma a contribuir na melhora da qualidade de vida. Neste âmbito, a utilização do relaxamento integrada à psicoterapia, tem demonstrado resultados benéficos em relação a recuperação da saúde de pacientes oncológicos (Costa Junior, 2001). 

Recente pesquisa realizada por Nunes (2005) teve como objetivo verificar o efeito da intervenção de relaxamento e visualização sobre a carga emocional, eixo hipotálamo-hipófise-adrenal (HPA) e imunidade celular de pacientes com câncer de mama em tratamento radioterápico. Neste estudo, a intervenção de relaxamento e visualização mostrou-se um recurso efetivo para reduzir a carga emocional, índices de estresse e níveis de depressão e ansiedade nessas mulheres. 

A técnica do relaxamento tem sido também utilizada na área da Psicodermatologia, campo interdisciplinar que busca integrar o trabalho de médicos e psicólogos para um melhor entendimento das doenças de pele, no âmbito biopsicossocial (Müller & Ramos, 2004). Uma pesquisa realizada por Müller (2001) buscou compreender a doença vitiligo, em mulheres, como possibilidade de manifestação simbólica da relação psique-corpo, através da abordagem analítica. Os resultados indicaram que a psicoterapia integrada ao relaxamento e visualização permitiu a compreensão simbólica da doença como manifestação de conteúdos inconscientes. 

Além disso, as pacientes que receberam tratamento conjunto médico e psicológico apresentaram um percentual significativamente maior de repigmentação, demonstrando a importância de um trabalho integrado nas doenças. Elias (2003) realizou um estudo com quatro crianças e três adolescentes com câncer, com o objetivo de realizar a intervenção psicoterapêutica integrada às técnicas de relaxamento mental e visualização de imagens mentais. Através dos casos relatados se concluiu que a modalidade de atendimento auxilia o paciente a ressignificar a dor simbólica da morte, proporcionando uma melhora da qualidade de vida no processo de vida e morte. Elias & Giglio (2002) desenvolveram uma pesquisa buscando investigar a eficácia da intervenção psicoterapêutica para mulheres com câncer em fase terminal. Este estudo integrou a técnica de relaxamento e visualização de imagens mentais para ressignificar ou não a dor simbólica da morte, representada pela dor psíquica e dor espiritual. Após a realização da intervenção, os pacientes obtiveram uma melhor qualidade de vida no processo de morrer, auxiliando também a ressignificar a dor simbólica da morte. Simonton (1987) enfatiza que a imaginação como método complementar na psicoterapia pode ser eficaz para ajudar o paciente a mobilizar seu potencial curador. O autor sinaliza também a importância que os pensamentos e as emoções do terapeuta têm em relação ao seu paciente; sendo possível que o paciente então experimente imagens positivas e negativas, todas elas afetando o corpo a nível celular. Carvalho (1994) refere que o cuidado, a aceitação e a segurança devem vir do terapeuta para o paciente. 

A partir desta exposição, é possível perceber a complexidade do processo de relaxamento e visualização e como este recurso pode refletir na visão sistêmica psique-corpo. É com o objetivo de buscar reforçar esta condição, que se utiliza estas técnicas de forma integrada a intervenção na Psicologia da Saúde. Para tanto, o uso das técnicas de relaxamento e visualização tendem a contribuir para o auto-conhecimento, propiciando ampliação da consciência, bem como, o fortalecimento do sistema imunológico através da compreensão do processo integrado corpo e psiquismo. 


Considerações Finais


Destaca-se que a intervenção do relaxamento e da visualização na Psicologia da Saúde tem auxiliado no tratamento de doenças, possibilitando um maior entendimento do processo saúde-doença. As imagens mentais advindas desta experiência muitas vezes despertam para uma ampliação de consciência acerca da doença, possibilitando uma integração destes aspectos à vida da pessoa. A Psiconeuroimunologia tem contribuído para o entendimento de que todas as ações que ocorrem no corpo são refletidas na mente, sendo que as emoções provocam alterações corporais. Recentes estudos demonstraram a efetividade desta intervenção integrada às áreas da Psicooncologia e Psicodermatologia. 

Para tanto, as imagens visualizadas de cura tendem a estimular o sistema imunológico na recuperação da saúde do paciente e este bem-estar pode auxiliá-lo como participante ativo do seu processo psicoterapêutico. Destaca-se a necessidade do desenvolvimento de pesquisas relacionadas à utilização das técnicas de relaxamento e visualização, sendo estas, recursos complementares para a promoção e tratamento da saúde. 

Referências Bibliográficas

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Alburquerque, M. & Cavalcanti, M. (1998). Relaxamento: uma estratégia no contexto da assistência de enfermagem. Revista Brasileira de Enfermagem, 51 (2), 35-52.

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Nunes, D.F.T (2005). O uso da técnica de relaxamento e visualização como coadjuvante no tratamento de pacientes portadoras de câncer de mama. Dissertação (Mestrado em Psicologia Clínica) – Faculdade de Psicologia , PUCRS, Porto Alegre. Relaxamento e visualização em psicologia 33

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Suls, J. & Rothman, A. (2004). Evolution of the Biopsychosocial Model: prospects and challenges for health psychology. Health Psychology,23 (2), 119-125.

Endereço para correspondência:

Instituto Brasileiro de Psicologia da Saúde (IBPS).

Rua Santa Cecília, 1673/302.

CEP 90420-041. Porto Alegre/RS.

E-mail: marisacampiomuller@gmail.com

Recebido em 24/10/2007

Aceito para publicação em 29/12/2008

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