17.1.12

A religião sob o olhar evolucionista - adaptação ou "by product"?



Atran: "Por que eu deixei de crer?"
Deus foi sempre um enigma para Scott Atran. Quando ele tinha 10 anos, escreveu uma mensagem queixosa na parede de seu quarto, em Baltimore. "Deus existe", ele rabiscou em tinta preta e alaranjada. "Ou, se não existe, estamos encrencados". Atran, 55 anos, vem enfrentando dificuldades com questões religiosas desde então, em um esforço por compreender por que ele, pessoalmente, deixou de acreditar em Deus, e por que tantas outras pessoas, no mundo inteiro, continuam a fazê-lo.

Não importa que usemos o nome Deus, ou a palavra "superstição" qualquer que seja o termo, parece existir um impulso humano inerente a acreditar em algo transcendente, algo além do alcance de nossa compreensão e da ciência. Quando conversamos, em janeiro, Atran, hoje antropólogo no Centro Nacional de Pesquisa Científica, em Paris, indicado pela Universidade do Michigan e pelo John Jay College of Criminal Justice, de Nova York, perguntou "por que até mesmo as pessoas mais atéias fazem figa quando um avião encontra turbulência?"

Há um debate esclarecedor em curso entre os cientistas quanto à evolução da religião. Os estudiosos tendem a concordar em que a crença religiosa deriva da arquitetura cerebral desenvolvida em período precoce da existência do homem. Mas tendem a discordar quando a questão é determinar se a tendência a acreditar evoluiu porque a crença em si era adaptativa ou se veio como efeito colateral da evolução (by product), conseqüência de alguma outra adaptação ocorrida durante a evolução do cérebro humano. 
 
Crença universal - deuses?
De acordo com os antropólogos, as religiões que compartilham de certas características sobrenaturais, tais como a crença em um Deus ou deuses incorpóreos ou a crença na capacidade da oração ou de rituais para mudar o curso dos acontecimentos humanos, estão presentes em virtualmente todas as culturas do planeta.

Quando um traço é universal, os biólogos especializados em evolução tendem a procurar uma explicação genética e a imaginar como um gene ou grupo de genes poderia reforçar as perspectivas de sucesso reprodutivo ou a sobrevivência. Atran via essas questões como um enigma, quando aplicadas à religião. Grande número de aspectos da crença religiosa envolvem compreensão errônea do mundo real. Será que isso não representaria uma desvantagem em uma competição na qual apenas os mais aptos sobrevivem?

Um exemplo disso é a crença de que, mesmo depois de morta, uma pessoa continuará a existir, a rir ou chorar. Essa confusão "não parece ser uma estratégia evolutiva razoável", escreveu Atran em "In Gods We Trust: The Evolutionary Landscape of Religion" em deuses confiamos: o cenário evolutivo da religião, livro que ele publicou em 2002. "Imagine algum outro animal que confundisse doença com saúde, grande com pequeno, lento com rápido ou morto com vivo. É improvável que uma espécie como essa pudesse sobreviver".

Ele começou a procurar por uma explicação alternativa: se a crença religiosa não era adaptativa, talvez estivesse associada a algo mais que o seja. Ele recorreu a uma subdisciplina emergente na teoria evolutiva ¿a evolução da capacidade cognitiva humana.

Os darwinistas que estudam a evolução física distinguem entre traços que são adaptativos em si, como a presença de células sangüíneas capazes de transportar oxigênio, e traços que são conseqüências de adaptações, como o fato de o sangue ser vermelho. O sangue é vermelho e não azul como efeito colateral de uma característica adaptativa, ou seja, a presença de sangue dotado de hemoglobina. Stephen Jay Gould, famoso biólogo evolucionista de Harvard, morto em 2002, e seu colega Richard Lewontin propuseram o termo "spandrel" para descrever um traço que não têm valor adaptativo próprio. A possibilidade de que Deus seja um spandrel ofereceu a Atran uma nova maneira de compreender a evolução da religião. Mas Deus seria um spandrel de que, exatamente?

As dificuldades da vida humana em seus primórdios favoreceram a evolução de certas ferramentas cognitivas: detecção de agentes, raciocínio causal e teoria da mente. A detecção de agentes evoluiu porque presumir a presença de um agente (o termo designa qualquer criatura com comportamento independente) é mais adaptativo do que presumir sua ausência.

1 - DETECÇÃO DE AGENTES
 
Se você é um homem das cavernas na savana, melhor presumir que o movimento percebido com o rabo do olho representa um agente capaz de ameaçar sua vida, algo de que fugir, do que presumir o contrário. O que isso quer dizer em termos de acreditar em fenômenos sobrenaturais? Quer dizer que nossos cérebros estão prontos a presumir a presença de agentes, mesmo que essa presença contrarie a lógica. 
 
Ilógico, mas útil !

2 - RACIOCÍNIO CAUSAL
 
O segundo módulo que nos prepara para a religião é raciocínio causal. O cérebro humano evoluiu de forma a impor uma narrativa, com cronologia e lógica causal, sobre qualquer coisa que encontre, não importa até que ponto seja aleatória. O psicólogo Justin Barrett escreveu, em um livro sobre os motivos para explicar a crença em Deus, que "automática e muitas vezes inconscientemente, procuramos por uma explicação quanto aos motivos para que certas coisas tenham nos acontecido, e não adianta dizer que ´simplesmente aconteceu´. Os deuses, em virtude de suas estranhas propriedades físicas e superpoderes, são causas excelentes para muitos desses acontecimentos incomuns".

IMPOSSÍVEL? Não! É possível pq "Deus quis". Pronto.

3 - TEORIA DA MENTE
 
A terceira possibilidade é uma espécie de intuição social conhecida como "teoria da mente". O termo parece estranho para algo tão automático, e o termo que Atran prefere, "psicologia folclórica", parece mais adequado. Ela nos permite antecipar as ações alheias, e que os levemos a crer o que desejamos acreditem.

O processo começa quando uma pessoa toma como axioma a existência de mentes, a própria e as de outros. E quando ela aceita esse princípio, que não se pode verificar empiricamente, se torna mais fácil aceitar que mentes não precisam estar ancoradas a um corpo, e basta mais um passo para acreditar em alma imortal e deus incorpóreo.

Teoria da mente te permite acreditar em "espíritos" (outras mentes)

The New York Times Magazine

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