2.5.17

Mindfulness: a arte de ser FELIZ no aqui-e-agora? Oops!


FELIZ NO AQUI-E-AGORA? Vejamos....

O título pretende brincar com um problema sério que tenho observado no meio do Mindfulness, ultimamente. Em primeiro lugar: a venda da felicidade e do bem-estar; em segundo, a idéia de que a infelicidade ou o sofrimento não ocupam um lugar central no mindfulness. Eles ocupam, sim. Ao menos, tanto quanto a felicidade!


A QUESTÃO 1 - a pílula do bem-estar

Desde que o professor Ronald Purser alertou sobre o McMindfulness, a coisa vem assumindo contornos cada vez mais sombrios. Às vezes eu vejo certas propagandas e sites que me apavoram. Cada jargão que me faz pular da cadeira!! VENHA SER FELIZ COM MINDFULNESS! Mindfulness alardeado como o novo crossfit, a nova zumba do bem-estar. A revista ISTO É trouxe a Fernanda Lima na capa com o título: "Mindfulness, o PODER da nova meditação". A SUPERINTERESSANTE falou em "como controlar a sua mente. AGORA".

Isso, com esse AGORA no final. Medo.

Para uma dessas revistas eu dei uma entrevista por email falando das limitações do Mindfulness. É claro que não incluíram a minha fala. Depois que li a matéria eu entendi.

No exterior, o alerta sobre a "money-making industry" do mindfulness foi dado há - pelo menos - 10 anos, mas no Brasil ainda não estamos falando SERIAMENTE sobre isso. Por que será? Você pode ensaiar algumas respostas.

De acordo com o que estamos vendo nas pesquisas mais rigorosas sobre mindfulness, podemos estar certos de que é possível alcançarmos bem-estar e redução de estresse. Porém, não é todo mundo que se identifica com o tratamento, do mesmo modo que os benefícios alcançados podem não ser exclusivos do mindfulness. Falei sobre isso no post anterior. Ainda não temos certeza se o que melhora no Mindfulness é exclusivo do Mindfulness ou se aulas de dança e de ping-pong não teriam o mesmo efeito, ou até melhor. Ou, de repente, se um clube de leitura com momentos de relaxamento não seria um grupo superior ou equivalente ao mindfulness. As pesquisas mostram que, quando comparado a um grupo controle ativo, o mindfulness praticamente perde o seu poder "único" de bem-estar. 

Mas, claro, ninguém fala sobre estes problemas. MENTIRA! Um dos meus professores em Oxford, Miguel Farias (agora ele dá aulas em Coventry) publicou um livro, e segue publicando artigos, exatamente sobre estes problemas. O livro ser chama "The Buddha Pill" (O remédio de Buda) e aponta limites e problemas do Mindfulness.


"os tratamentos com base em meditação podem desencadear outras doenças do foro psicológico, como é o caso da mania, depressão, alucinação e até mesmo psicose.
A investigação dos dois países concluiu que 60% das pessoas que fizeram um retiro espiritual à base de meditação foram alvo de um efeito colateral negativo, em especial ataques de pânico, depressão e confusões.
Mais concretamente, cerca de uma em cada 14 pessoas sofreram “efeitos adversos profundos”, alerta o chefe do grupo de pesquisa do cérebro, crença e comportamento da Universidade de Coventry, Dr. Miguel Faria, que passou 20 anos a analisar as consequências do ‘recolher do espírito e da mente’"
Recentemente, o Professor Miguel publicou na THE LANCET (maior revista médica do mundo) sobre o tema, em um comentário entitulado: What is mindfulness-based therapy good for? Evidence, Limitations and Controversies. Os resultados seguem indicando os limites enormes na pesquisa sobre Mindfulness. Dificilmente alguém fala sobre os problemas. É preciso investigar mais.



Mas por que então eu deveria participar de um grupo de mindfulness? Veja bem. Sabemos que mindfulness faz bem para a saúde, podendo até mesmo ajudar em problemas graves como câncer e depressão. A questão não é se mindfulness faz ou não faz bem. A questão é sobre limitações na pesquisa. Se mindfulness é tão melhor quanto um outro tratamento que também seja bom. Também, se os efeitos colaterais de mindfulness estão sendo bem avaliados. Portanto, mindfulness faz bem, mas ainda precisamos definir melhor de que maneira ele FAZ BEM; quais são os mecanismos que realmente promovem a melhor.



A QUESTÃO 2 - FELICIDADE NO AQUI-E-AGORA?

Em geral, as imagens associadas ao mindfulness são de pessoas felizes sentadas em posição de meditação. Isso até pode ser verdade, mas não diz sobre a história toda. Parte da descoberta do bem-estar está no contato com o que surge aqui-e-agora. Muitas e muitas vezes, o que surge, é dor e sofrimento. Muitas transformações decorrem de um contato sincero e profundo com a dor. Lembro bem do lindo livro de Pema Chodron - "Quando tudo se desfaz". É um livro sobre felicidade, mas recheado de encontro com dor e desilusão.

Quando mindfulness é vendido como felicidade há sempre o risco de "propaganda enganosa". O verdadeiro mindfulness, como falei, é um contato sincero consigo. Isso significa acolher o que surgir - seja a dor, seja a alegria. A dor é parte do processo. Por isso, nos grupos, lemos o poema "Casa de hóspedes", do Rumi.

Então, melhor, e mais verdadeiro, seria dizermos: Mindfulness - "infelicidade" no aqui-e-agora. E, um segundo depois: Mindfulness - "felicidade" no aqui-e-agora. E assim seguirmos. Porque a realidade não é um eterno spa com músicas relaxantes, cristais na cabeça e um ofurô com essências indianas. A realidade PODE SER ISSO. Mas em geral também inclui o seu filho chorando no berço enquanto você faz cálculos na sala sobre a contas do mês e descobre que está no "negativo" no banco. Em seguida, alguém te liga dizendo que um parente faleceu. Sim!! Queiramos ou não, o sofrimento e a dor são parte da vida e é com a vida inteira que lidamos no mindfulness, e não apenas com os momentos fofos, felizes e divertidos.

Grande culpada disso também é o "spiritual bypassing", ou seja, uma espiritualidade que nem sempre é autêntica e que as pessoas se sentem forçadas a transmitir (fale calmo, seja gentil, respire fundo) quando se envolvem com o mindfulness. Não são todos(as), mas rola uma energia desse tipo, muitas vezes. Amigo, amiga, não adianta fazer tipo. Não precisa fingir que é monge ou monja. Seja autêntico(a). Isso basta. 

É muito estranho propagar mindfulness como um encontro com a felicidade, a paz e a harmonia mental se, quando paramos para nos observar, muitas vezes encontramos o oposto. O que surge é raiva, desarmonia, medo, desilusão. Sim. É pesado. Mas, muitas vezes, é através de um encontro sincero com a dor e o sofrimento que conseguimos grandes transformações.


Claro, um grupo de mindfulness deve ser coordenado por um profissional competente para nos guiar. através das dificuldades. Não devemos passar por isso sozinhos. Do encontro sincero com grandes dores - físicas ou psicológicas - surgem grandes aprendizados. No mindfulness aprendemos a ver as dificuldades e infelicidades como companheiras de jornada. Não queremos NÃO SOFRER. Isso é impossível. Queremos aprender a lidar de maneira mais leve e funcional com os sofrimentos, invariáveis, que nos assolam.

Por isso, precisamos de orientação profissional adequada para participar de um grupo e praticar. 

Mindfulness é sentar com os demônios para tomar chá, quase sempre!!! Às vezes, é claro, é como deitar em uma grama verde sob um céu azul de outono. Mas, não admire se os demônios deitarem, rapidamente, ao seu lado.

Mindfulness é um encontro com a realidade. Lembre-se disso antes de ingressar em um curso que vende a imagem de pessoas sorrindo no alto de uma montanha. No mindfulness, alegria e dor andam lado-a-lado. Ao final do processo, ganharemos autoconsciência, liberdade e autonomia. Podemos viver uma vida mais lúcida, superando alguns problemas e aprendendo a pedir ajuda para os problemas que não conseguimos ultrapassar. Vale a pena.








1.5.17

Mindfulness COM e SEM meditação. É possível?

Escrevo este texto pois não achei quase nada sobre o assunto em Português. A idéia é poder introduzir brevemente o tema. Espero ter êxito. 

A GRANDE maioria das pessoas que chegam até mim querem "aprender a meditar". Chegam tendo a idéia fixa de que mindfulnes é, NECESSARIAMENTE, MEDITAÇÃO. Em geral, quando a busca da pessoa é aprender a meditar tento esclarecer que não sou - propriamente - professor de meditação. Costumo indicar professores experientes da minha cidade. Em geral, monges do Zen ou do Budismo Tibetano. Esses sim grandes professores de meditação!! Aqui em Porto Alegre costumo indicar o Lama Santem, a Monja Isshin e o ViaZen. Se eu explico o que explicarei abaixo e a pessoa decide seguir no "mindfulness científico", aí sim encorajo a seguir no meu grupo.

Além disso, na meditação budista, por exemplo, mindfulness é apenas uma pequena etapa do caminho de meditação. Por exemplo, o Nobre Caminho Óctuplo budista inclue mindfulness (right mindfulness) como uma das pontas do iceberg de um universo muito maior e complexo. Neste sentido, a meditação é muito maior que o mindfulness.

Mas uma coisa é certa! Todo mundo chega nos meus grupos querendo aprender a MEDITAR! Mas não sou - propriamente - professor de meditação! Não tenho o que fazer, as pessoas aprenderam que Mindfulness=Meditação!

Claro que, quando falamos em meditação, imagens como as abaixo surgem em nossa mente. A mídia também ajuda a levar adiante essa imagem, divulgando mindfulness massivamente desta maneira, então as pessoas tendem a COLAR mindfulness com meditação. Acabam achando que é a mesma coisa, ou similar. O problema é que pode ser, mas também pode não SER! hehehe. Isso mesmo! 

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MINDFULNESS OU MEDITAÇÃO????



NÃO É ISSO QUE VOCÊS IMAGINAM QUANDO ALGUÉM FALA EM MINDFULNESS?

Então, é muito difícil alguém falar sobre mindfulness e este tipo de imagem não vir a mente. É - usualmente a associação direta que se faz com Mindfulness. Mas no mindfulness nós não precisamos ficar - necessariamente - sentados assim. Pois então, aí vai a história verdadeira.

A verdade é que Mindfulness não necessariamente é algo MEDITATIVO ou BUDISTA (hinduísta, taoísta, ou o que for). Pode ser - mas não é necessariamente. O termo Mindfulness, no contexto religioso, começou a ser utilizado no ocidente a partir do século XIX como tradução para o sânscrito e o Pali. Foi utilizado a fim de transcrever termos específicos destas línguas que se referiam a um conjunto - também específico - de conceitos e práticas. Então, mesmo práticas tão diversas - como práticas do Zen Budismo e do Budismo Tibetano - começaram a aparecer em inglês como MINDFULNESS. Um exemplo é a prática de Shamata, que começou a ser chamada, em inglês, de Mindfulness. Parece que o termo inglês soava melhor do que as "estranhas" palavras em sânscrito, pali ou tibetano. Em 1967, o monge vietnamita, Tich Nhat Hanh publicou "The Miracle of Mindfulness". Era um livro religioso, mas voltado para o público geral. 

Só que precisamo saber que - ANTES DE QUALQUER COISA - Mindfulness é simplesmente uma palavra da língua inglesa que existia MUITO ANTES da chegada do Budismo em terras anglo-saxônicas. Então, os povos de língua inglesa já utilizam esse termo para algumas ocasiões e situações específicas. A aplicação mais comum, no entanto, é a do termo em sua forma adjetivada - mindful - significando ou qualificando "aquele(a) que está atento(a)". 

Até aqui aprendemos que: 1 - mindfulness é termo de língua inglesa que existe desde o século XVI, aproximadamente, independente de qualquer religião; 2 - a palavra começou a ser empregada como tradução para alguns conceitos e práticas budistas a partir do século XIX. Portanto, a palavra não foi "criada" para designar uma meditação, e sim utilizada para isso. 



Então, agora sabemos que mindfulness não é uma palavra budista ou necessariamente usada em contexto budista. É um substantivo da língua inglesa que pode ser utilizado para dizer que a "atenção está presente, viva, lúcida". Em inglês, alguém pode exemplificar assim:
"-Hey John, it will rain this afternoon!
"-Ohhh, I can see. I´m mindful of it!

Por que, então mindfulness ficou tão associado à meditação, ou Budismo? Isto ocorreu devido à popularidade do MBSR, programa de mindfulness criado por Jon Kabat-Zinn, e inspirado na Yoga e no Budismo Coreano. Como tem inspiração budista, o Jon Kabat-Zinn utiliza práticas e setting inspirado no budismo. Então, tu vai ver ele parecendo um meditador mesmo!!! E ensinando isso! Ele insiste que o MBSR é secular (não-religioso) mas recentemente andou afirmando que o MBSR é uma "nova linhagem" do Budismo. Além disso, no site do MBSR havia uma declaração de que o mesmo estava associado ao "Dharma" (termo para designar "verdade do ensinamento de Buda"). Polêmico, não? Se é "linhagem", é espiritual. Enfim. Segue a confusão hehehehe. 

Jon Kabat-Zinn em seu momento espiritual!

Mas o MBSR do Kabat-Zinn não foi a única manifestação legítima do Mindfulness no Ocidente. Vejam bem, este "exercício da atenção" está presente nos últimos gregos (estóicos e epicuristas, inclusive sob a forma de exercícios!) e é uma preocupação de toda a Psicologia Ocidental, começando com um dos seus pais, William James. Acontece que, como o MBSR ficou muito popular, acabou tomando toda a cena.

O mindfulness SEM Budismo está presente na Psicologia, mesmo antes (ou contemporaneamente) do MBSR de Kabat-Zinn. Exemplos são os trabalhos de Ellen Langer, professora de Harvard, e Steven Hayes, criador da psicoterapia ACT (Terapia de Aceitação e Compromisso). Neste autores, o referencial teórico é a relação entre processos atencionais e flexibilidade cognitiva. Eles também procuram entender as relações entre "atenção", "desatenção", e saúde física e mental. Seu referencial teórico não é o treino da mente no Budismo, mas sim o que a Psicologia e as Ciências Cognitivas sabem sobre as relações entre processamento atencional e psicopatologia. 

Mas como seria um exercício de Mindfulness SEM meditação. É possível. Sim! Claro que é! Vou dar dois exemplos. Um da professora Langer e outro da ACT.

1 - ELLEN LANGER: Quando alguém nos pergunta "quanto é 1 + 1? Logo respondemos o número 2. Mas se você pensar que se juntar uma bola de massa de modelar azul com outra bola de massa de modelar azul você estará somando duas bolas de massa de modelar e tendo como resultado "1"!. Logo, você fez com que 1 + 1 = 1. E por que prontamente respondemos: "2"? Porque estamos no modo "desatenção", "automatismo". Nos ensinaram assim, nos habituamos a responder assim - LOGO tem que se assim. Isso é um exemplo de "mindlesness", o estado oposto de "mindfulness". 


A professora Langer diz que podemos desenvolver mindfulness prestando mais atenção nos estímulos que nos cercam. Por exemplo, de repente você está habituado(a) a entrar em uma mesma sala todos os dias, há muito tempo, e já não percebe mais os estímulos do ambiente. Um exercício de mindfulness seria entrar nessa mesma sala com a atenção viva, aberta, curiosa. De repente você vai descobrir que um objeto está em um lugar todos esses anos e você nem notou? Você saberia dizer que cores tem as paredes do seu trabalho? Exercitar mindfulness é manter a atenção viva, aberta, momento-a-momento!

Da próxima vez que passar por aquela rua que você passa todos os dias procure perceber algo novo: um objeto, um detalhe qualquer. Você estará praticando mindfulness!

2 - HAYES na ACT: Tente o seguinte exercício - 1 - Você vai tentar observar os seus pensamentos surgindo, momento-a-momento, em sua mente. PAra isso você deverá fechar os olhos e imaginar que está vendo um céu azul com nuvens. Imagine que cada nuvem é um pensamento surgindo e desaparecendo. Cada nuvem que surge e desaparece é como um pensamento que surge e passa, dando lugar a outro. Tente fechar os olhos e fazer isso por 1 minuto.


A versão de Hayes contribui, hoje em dia, em particular, para pensarmos no papel de mindfulness nas psicoterapias. Um forma de desenvolver mindfulness sem meditação seria fazendo uma psicoterapia como a ACT que procura ensinar essa habilidade. Às vezes, um terapeuta ACT pode optar por ensinar, também, exercícios meditativos. Uma coisa não exclui a outra.

Deste modo, termos como "desfusão cognitiva" estão cada vez mais populares entre psicoterapeutas, especialmente devido à trabalhos como o de Hayes. A versão de Langer está presente em diversas pesquisas sobre cognição-social, como em estudos sobre tomada de decisão e ilusão de controle. 

Deste modo, descobrimos que Mindfulness pode representar muito mais coisa do que APENAS meditação. As práticas de meditação são uma das formas onde mindfulness pode ser desenvolvido. É importante salientar que existem outras práticas de meditação que não envolvem mindfulness. Meditação é um universo amplo, que vai além do treino atencional. Pode envolver elementos ritualísticos, éticos, espirituais e metafísicos. Em geral, espiritualidade é importante na meditação, mas não necessariamente no mindfulness. 

O Mindfulness ficou popularmente associado à meditação devido ao sucesso e popularidade do MBSR de Kabat-Zinn e outros programas similares, mas você pode praticar mindfulness sem meditar, se quiser. Um terapeuta ACT, por exemplo, pode ensinar ao pacientes exercícios de mindfulness sem meditação, mas também pode ensinar algo meditativo. O protocolo com quem eu trabalho, por exemplo, apesar de conter exercícios inspirados na meditação, trabalha as práticas do ponto-de-vista neurocognitivo, e não da perspectiva necessariamente budista. Mas, em geral, os protocolos inspirados em MBSR tem um forte apelo "meditativo", no sentido mais espiritual do termo. É comum vermos nestes grupos as pessoas sentadas em almofadas zen (zafus) de pernas cruzadas. Sinos de meditação também são usados. Poemas e histórias budistas não raro são citadas. Mesmo assim, os exercícios e ensinamentos são ensinados secularmente, sem religião. 

alunos em um grupo de MBSR


Além disso, sugiro que, caso queira praticar mindfulness meditando, procure um professor experiente, seja um professor religioso budista ou não-religioso. Procure saber se seu professor recebeu ensinamentos de professores mais antigos, avançados ou, no caso de um professor não-religioso, se ele está qualificado para te ensinar. Professores budistas, em geral, ensinam práticas de zazen e shamata com grande propriedade, especialmente se estão ligados a uma tradição ou "linhagem". Recomendo fortemente que procure um professor da tradição budista e tente praticar com ele caso seu desejo seja aprofundar na meditação. Mas pode não ser a "sua praia". Assim, se você optar por um professor de mindfulness não-religioso, esteja atento. Se não for um terapeuta ACT, mas sim de um programa tipo MBSR, saiba que esse professor precisa fazer uma formação profissional longa (em alguns casos de mais de 10 anos), e em centros de excelência. A maioria destes centros está fora do Brasil. Além disso, é importante que este professor tenha experiência prévia na condução de diferentes grupos. Um professor sem treinamento adequado pode - inclusive - causar danos psicológicos e direcionar sua prática de modo antiético. 

Hoje em dia mindfulness está "na moda". Então, toda atenção é bem-vinda. Cuidem-se. 

Com ou sem meditação, Mindfulness faz bem e vale a pena! São todos caminhos válidos e úteis!




PS: obrigado à minha colega, e instrutora de mindfulness, Erika Leonardo, pela revisão!




28.4.17

Mindfulness está "comprovado cientificamente"?

Anos atrás eu alertei sobre o Mindfulness Tapioca, a versão tupiniquim do McMindfulness. Acho que ninguém deu muita bola, na época

Mas, como eu previa, o Mindfulness Tapioca segue em pleno curso de consolidação no país. AVANÇA, Doravante. Para o bem ou para o mal - só o tempo dirá. Há - obviamente - muita coisa boa em andamento, já que as universidades estão oferecendo cada vez mais serviços de mindfulness gratuitos para a população.

Aqui no meu pósdoc, na UFRGS, por exemplo, já estamos oferecendo mindfulness gratuitamente para população com Transtorno de Ansiedade Generalizada (TAG). Vejo essas ações gratuitas e de saúde pública com bons olhos, especialmente se estão alinhadas com comitês de éticas das Universidades.

Contudo, muitos "cavaleiros Jedis" do Mindfulness estão a sucumbir para o lado tapioca da Força. Dia desses, um importante professor de Mindfulness denunciou publicamente a situação do problema ético da inserção de Mindfulness nas empresas. Ele chegou a postar em sua timeline o problema, inclusive, dando "nome aos bois". Não entro no mérito dele estar certo ou errado, mas o problema está aí. Há tempos, periódicos e blogs especializados do exterior alertam para o lado "money-making industry" do Mindfulness.


 Junto, temos a noção de Mindfulness vendido como a "cure-for-all" ou panacéia. Os veículos de comunicação muitas vezes reforçam esse lado tapioca da força do Mindfulness. Capas de revista e programas de TV mostrando "casos de sucesso" e "cura" do Mindfulness para obesidade, depressão, ansiedade, estresse e até Câncer, HIV e outras tantas condições. 

Bem, o Mindfulness (chamado por aqui de Meditação da Atenção Plena), essa panacéia (?), está lá entre as "práticas meditativas". E são muitas as pesquisas "COMPROVANDO CIENTIFICAMENTE" o benefício do Mindfulness. Não é mesmo? São milhares de comprovações! Opssss!

Bem, são muitas pesquisas - SIM - e elas trazem - SIM - a informação de que podemos conquistar benefícios com a prática de Mindfulness. E é verdade. Podemos ter benefícios. Mas, COMPROVADO CIENTIFICAMENTE? Sejamos cautelosos.

O problema do "comprovado cientificamente"

Quando alguém fala que algo está "cientificamente comprovado" a idéia é usar algum tipo de argumento de autoridade - neste caso - o "fazer científico", a Ciência como sinônimo de VERDADE. Um lugar onde os achados científicos são soberanos frente ao conhecimento do senso-comum.

Acontece que a Ciência não lida com Verdades, ao menos com Verdades imutáveis. Quem se dedica ao estudo de Verdades é a Filosofia, ou alguns ramos da Religião. A Ciência trata de busca de evidências. Quando falamos de evidências não falamos de Verdade. Por exemplo, há evidências concretas de que é a Terra que gira em torno do sol, e não o contrário. Há evidências, também, de que isto continuará assim por muito tempo. Porém, não sabemos o dia de amanhã e se algum dia virá a ser diferente. Não sabemos tudo e não podemos controlar todas as variáveis. Podemos predizer com segurança - maior ou menor - sobre algumas coisas. Por exemplo, de que amanhã a Terra continuará girando ao redor do Sol.

Para algumas questões, a Ciência acumulou um nível óptimo de evidências a tal ponto que podemos confiar de maneira mais contundente em seus achados. Ainda assim, a regra é básica: as coisas podem mudar e devemos seguir contestando achados e acumulando evidências.

Temos evidências que a criação do universo tem relação com o que chamamos de: Big-Bang mas não temos tantas evidências acerca de Adão e Eva. Mesmo assim, não temos certeza ABSOLUTA que o mundo começou com o Big-Bang. Temos uma MASSA ENORME de EVIDÊNCIAS a favor do modelo teórico do Big-Bang, mas ainda assim há teorias concorrentes sobre a origem do universo que seguem sendo exploradas. Pode ser que - um dia - encontremos uma explicação mais elegante e coerente da origem do universo que não seja o Big-Bang. Mas, por enquanto, o Big-Bang é o melhor modelo explicativo sobre a origem do universo.

Quando alguém fala que a origem do universo está CIENTIFICAMENTE COMPROVADA através do Big-Bang, geralmente está querendo dizer que a "missão está cumprida", que não devemos pesquisar mais nada sobre a origem do universo. Está querendo dizer que a Ciência - mãe de toda a Verdade - já concluiu sua tarefa de desvendar a origem do universo, e que ninguém mais deve emitir uma opinião sobre isso.

O problema, como tentei apontar, é que isto não é Ciência. A Ciência, pelo contrário, é uma arte de seguir desvendando problemas. Alguns problemas estão melhor desvendados, outros não. Alguns problemas são melhor desvendáveis, se adequam melhor às ferramentas da ciência - outros não. Grandes questões existenciais, por exemplo, são difíceis de exploração através do método científico. "Qual o sentido da vida?" ou "Há vida após a morte?" são questões difíceis de exploração científica. Questões onde o método científico deve estar presente mas que dificilmente esgotará algum tipo de VERDADE sobre isso. Poderá e deverá - certamente - pesquisar o tema, mas dificilmente COMPROVARÁ CIENTIFICAMENTE o sentido da vida ou a vida após a morte. Ainda assim, bons cientistas continuam pesquisando assuntos como estes. Sempre de modo limitado, parcial. Mas assim é a BOA CIÊNCIA. Limitada, humilde, parcial.

Achamos evidências e avançamos (ou não) aqui-e-acolá. Alguns campos do conhecimento avançam um pouco mais, pois são mais sensíveis ao método científico - outros avançam menos ou muito pouco.

VOLTANDO AO MINDFULNESS 

Dito isto, podemos voltar o Mindfulness. As pesquisas sobre Mindfulness estão a completar 40 anos de investigação, no entanto, o avanço dos achados não têm consubstanciado tanto a sua eficácia (ou tem mostrado que sua eficácia não se deve - exatamente - ao que pensamos).

A mídia, e muitos colegas, seguem a encher suas timelines e posts em todas as mídias sobre pesquisas que COMPROVAM a eficácia do Mindfulness para um número espantoso de condições, desde HIV e Câncer até uma básica e efetiva redução do estresse.

É verdade que há muitas e muitas (mais de milhares) de pesquisas sobre Mindfulness apontando estes resultados. É VERDADE. Oras, se é verdade, Tiago, então porque você está tentando nos alertar?

A PESQUISA É DE BAIXA QUALIDADE

Os estudos sobre Mindfulness mais alardeados são de dois tipos: 1 - Ensaios Clínicos Randomizados; 2 - Estudos de Neuroimagem. Em ambos há limitações. Vou me deter no primeiro, mas o segundo ponto merece cautela, também. 

Para desenharmos um Ensaio Clínico Randomizado de grande qualidade precisamos seguir uma SÉRIE de recomendações prescritas por manuais e órgãos de pesquisa internacionais. Não vou entrar no mérito de todas, mas vou citar algumas: tamanho amostral, métodos de randozimação adequados, cegamento, grupos de controle, controle de vieses, etc.

As pesquisas sobre Mindfulness, apesar dos 40 anos de maturidade, ainda falham copiosamente em muitos destes quesitos. Para você terem um idéia, uma revisão de 2013, mostrou que de quase 19.000 artigos sobre mindfulness, apenas 47 (3%) utilizavam grupos de controle adequados. Isto quer dizer que os "avanços" da pesquisa sobre mindfulness que são alardeados pela mídia são - quase exclusivamente - alcançados porque as comparações são feitas com "listas-de-espera". Isto faz com que os resultados sejam superestimados. Vocês leram com atenção ali? APENAS 47 de 19.000 artigos.



COMPARADOS COM BONS GRUPOS CONTROLE, MINDFULNESS RARAMENTE É SUPERIOR

Quando os pesquisadores comparam Mindfulness com uma condição-controle adequada (como o HEP desenvolvido pelo grupo do professor Richard Davidson), o que acontece? O MINDFULNESS perde quase todo o seu poder. Em outras situações onde há grupo-controle ativo, este grupo não é construído adequadamente pareado, de modo que as comparações seguem injustas. Muitas pesquisas comparam uma intervenção de mindfulness com duração de 8 semanas com intervenções completamente diferentes e inócuas. É óbvio que o grupo mindfulness vai se sair melhor!

Recentemente, uma pesquisa conseguiu criar uma condição SHAM (enganosa) de Mindfulness para comparar com um grupo real de Mindfulness. Apesar do grupo real de mindfulness ter melhorado mais que a enganosa em alguns quesitos, para tantas outras o grupo enganoso até MELHOROU MAIS.

MINDFULNESS É BOM, MAS PODE NÃO SER MELHOR DO QUE VOCÊ SE MATRICULAR EM UMA AULA DE DANÇA OU PINTURA

Um estudo interessante comparou um grupo de Mindfulness com aulas de Tango (isso, Tango(No resumo do artigo é apresentado que os níveis de redução da depressão no Tango tiveram maior significância estatística e tamanho de efeito similar ao alcançado pelo grupo mindfulness, quando comparados a uma lista de espera).
Argentino!!!!!) e o que aconteceu??? OS DOIS GRUPOS MELHORARAM! E até de forma muito parecida

A grande questão é se os "ingredientes ativos" do Mindfulness realmente são os promotores de melhora prometidos. Acontece que, quando comparado ao HEP (controle padrão) ou mesmo ao Mindfulness de Mentira (SHAM) estes mesmos programas também promovem aumento nos escores de Mindfulness e diminuição em variáveis que apenas o Mindfulness real deveria promover.

MENSAGEM FINAL! Funciona.

É claro que Mindfulness faz bem (se ensinado corretamente). Mindfulness também pode ter efeitos colaterais e danosos (também falam pouco disso!). Há mindfulness sendo ensinado em instituições dúbias e professores com formações dúbias. Isso pode ser um grave problema. Mas, enfim, voltemos à questão da pesquisa e eficácia. 

Se você oferece algo para alguém, como aulas de dança, pintura, escrita criativa, etc. Se você coloca as pessoas em grupo para debaterem, respirarem em conjunto, falarem de suas dificuldades. Se vocês pede para elas fazerem dinâmicas de grupo, etc. SE VOCÊ OFERECE isso tudo é bastante óbvio que você está oferecendo algo BOM para as pessoas. Que seja um oportunidade de saírem de casa, se conectarem com outras pessoas e praticarem algo saudável - como os exercícios de Mindfulness.

A questão não é se Mindfulness faz bem. FAZ SIM. A questão é se Mindfulness é - DE FATO - melhor do que qualquer outra coisa incluindo conexão em grupo, debates, exercícios,  que você ofereça para as pessoas ao longo de 8 semanas, 1 vez pode semana. Mais do que isso, se realmente o que promove a melhora são os "ingredientes ativos" (e supostamente únicos) do Mindfulness.

Um revisão recente sobre o programa de Oxford, o MBCT, concluiu que:

"Temos indícios de que embora o MBCT seja eficaz, pode não ser superior aos grupos de controle (ACCs) estruturalmente equivalentes. Seis estudos que compararam o MBCT com grupos controles ativos cuidadosamente concebidos demonstraram resultados mistos para diferenças significativas entre os grupos de tratamento no que tange recaída e sintomas de depressão.

Estudos que incluíram recidiva depressiva como uma variável de desfecho primário têm ,tipicamente, indicado nenhuma diferença entre MBCT e os grupos controles ativos"

Falta um bocado para o Mindfulness estar "cientificamente comprovado". Aliás, ele está cada vez MENOS cientificamente comprovado, se o que queremos dizer com isso é ROBUSTEZ científica. A teoria do Big-Bang apresenta grande robustez - ainda - quando colocada à prova contra a Teoria das Cordas, por exemplo. O Mindfulness está longe de apresentar esta mesma robustez, mesmo quando comparado com aulas de Tango.

Mindfulness não faz bem? Claro que FAZ! Por favor! Mas pode não ser isso tudo que nós - e mídia - pensamos! Segue sendo uma linda ferramenta de promoção de bem-estar.

Próximo semestre começam novos grupos meus e de meus colegas professores de Mindfulness aqui em Porto Alegre, mas também começam aulas de dança, de pintura, de ginástica, grupos de meditação, yoga, pilates, etc. Não siga o que a mídia diz. Não se deixe ser enganado(a). Descubra para onde o seu coração aponta. Descubra como você pode cuidar melhor de si, seja com mindfulness seja com aulas de culinária ou reuniões para debater poesia. Lembrando sempre que - se a vibe é meditação e se você procurar bem - pode achar grupos sérios que se reúnem há tempos, com professores muito experientes. Aqui em POA tem o ViaZEN, a Monja Isshin, o pessoal do Lama Santem, etc. Só não caiam em ciladas! CUIDEM-SE!

Então, meus amigos que trabalham com mindfulness e com a mídia, por favor, sejam responsáveis. A informação está dada. A ética é de cada um. Que essa informação possa correr os quatro cantos e que o benefício do mindfulness se estenda a todos, de modo responsável e sincero.



Que todos os seres possam encontrar paz, tranquilidade e ferramentas de amor para lidar com o sofrimento.

Um abraço

Tiago Tatton