Se você não perder a barriga te devolvemos o dinheiro! |
Dias atrás recebi um email de um dos meus alunos com o link para um "novo" centro de Mindfulness no Brasil (agora tem dezenas!). O site é muito bonito e, logo de cara, somos apresentados a um vídeo onde um médico (sim, um médico psiquiatra) oferece com todos os elementos de PNL (oh shit!) um curso de 5 dias de Mindfulness. Depois, ele diz que se você não se transformar em uma super-ultra pessoa ao final do curso, ele te devolve o dinheiro (!!!!!!). É sério.
Meses atrás eu já havia visto na internet vários cartazes de "professores" de Mindfulness oferecendo workshops de final de semana. Um deles dizia: "venha ter um dia de paz e tranquilidade" (Mindfulness não é isso!). O pior? Esta pessoa fez um curso de formação em Mindfulness. Um curso bom, aliás. Moral da história: o Mindfulness Tapioca, a nossa versão Tupiniquim do McMindfulness, está em plena expansão.
Não preciso de formação de Mindfulness. Eu já sei tudo! |
Atualmente, há mais de 50 pessoas em processo de formação de no Brasil, e isso vai aumentar. Além disso, há aquelas pessoas que fazem um workshop de final de semana e, no seguinte, oferecem o seu próprio workshop. Há também, no Brasil, uma figura curiosa, fundador de um "grande instituto" de Mindfulness, mas que não tem formação em Mindfulness (terá, certamente). Quando falei com ele pessoalmente sobre isso, ele disse: "Acho que não preciso de formação, tenho muitos anos de experiência com meditação e práticas deste tipo". É de chorar.
O que está por trás disso tudo? Duas coisas. Primeiro, provavelmente: la plata, bufunfa, cash, grana - isso - dinheiro. Sempre ele. Em segundo (para alguns em primeiro): status, posição. Todo mundo sabe que Mindfulness virou um mercado (faz mais de vinte anos que virou), mas no Brasil ainda não foi explorado. Deste modo, neste exato momento em que você lê este texto, toda a sorte de "coachs", terapeutas, administradores, médicos, estão atrás da fanfarronice que está se transformando Mindfulness no Brasil. Já tem gente enchendo os bolsos com altos contratos empresariais. Fiquei sabendo de um (que não tem formação em Mindfulness) que já está "aplicando" em uma grande empresa. Tão pagando R$12.000 realezas para ele falar por 4 horas sobre o que ele mesmo não sabe bem (aliás, racionalmente sabe, mas não sabe, se é que me entende). Dá para fazer um mini-rei-do-camarote com 12 mil realezas no bolso. Ou, quem sabe, trocar aquele Fiat Palio velho por um Sandero Stepway.
Estou brincando mas, na verdade, a notícia é triste. Essa Tapioca é azeda. Por mais que McMindfulness seja uma realidade no exterior há um enorme esforço - por lá - para que isso venha à tona. A bronca, por lá, vem por parte dos acadêmicos e, também, dos budistas. De ambos os lados são broncas pertinentes que servem como um certo guardião da "parte boa" do Mindfulness. Claro, há aqueles, como um colega budista aqui de Porto Alegre, que parecem não enxergar absolutamente nada de bom no movimento Mindfulness. Bem, talvez ele deveria perguntar às centenas de pessoas do SUS que já estão sendo beneficiadas pela técnica no Brasil, entre usuários e servidores. Acho que não iriam concordar com ele.
Longe dos holofotes, pessoas simples, com baixo poder aquisitivo estão sendo beneficiadas pela prática de Mindfulness. Todos os esforços deveriam estar nessa direção. |
E, já que falei do SUS, chego onde eu - de fato - gostaria. Na minha visão, é aí que está o ouro da prática no Brasil. Esqueça os grupos que conduzo particularmente. Esses são para aqueles que podem investir nisso, querem ter melhor qualidade de vida, e que irão ajudar no meu sustento enquanto psicólogo (isso, psicólogo, não sou professor de meditação - nunca). Mas, são as pessoas do SUS, pobres, sem acesso a recursos, que precisam de Mindfulness. É aí que reside o grande campo de atuação de Mindfulness no Brasil. A medida que a prática chegar até estas pessoas estaremos utilizando as verbas de nossos impostos para devolver para a população um recurso de promoção de qualidade de vida de baixo custo e sem uso de medicamento. Meu colega budista talvez preferisse que eles fosse para um retiro de 10 dias em um templo, mas eles não vão. Em sua maioria são católicos praticantes ou neopentecostais. Tem resistência à "meditação" (por isso meu programa no SUS se chama "viver melhor").
Ocorre que a invasão massiva do Mindfulness Tapioca pode atrapalhar esse processo de implementação de Mindfulness no SUS. Quando McMindfulness é maior que Mindfulness, o que chega aos ouvidos e olhos das pessoas, é uma "técnica barata do tipo charlatanismo" para as pessoas desenvolverem maior foco no trabalho. Olha, chega a ser vergonhoso ver curso de Mindfulness com depoimentos no final, tipo: "Foi maravilhoso! Depois desse curso aprendi que sou dono da minha própria história"; "foi o melhor investimento que fiz em minha vida"; "foi lindo"; "tenho que agradecer meu professor por me ensinar algo tão lindo". Sério, gente?
Será que as pessoas não tem escrúpulos quando se fala (ou pensa) em dinheiro? Entretanto, é mais do que isso. Talvez essas pessoas não saibam que Mindfulness está sendo implementado no SUS e que este tipo de aproveitamento fast-food pode atravancar este processo. Se Mindfulness entrar no Brasil pela porta dos fundos, o processo de saudável expansão será muito mais complicado. Então, eu gostaria estas pessoas lessem este texto. Será que não vai adiantar nada, porque Mindfulness está gerando receita? Muita receita De repente, uma dor de consciência? Nahhh, nem isso. Convoco cientistas e budistas para um policiamento carinhoso disso tudo. Pensem nas pessoas do SUS.
Os demais, somente enriqueçam (bad karma, no?).
2 comentários:
Parabéns pelo excelente texto, Tiago! Gassho, Isshin
Texto pertinente e presente. Muito cuidado com o cuidado... Parabéns.
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