2.5.17

Mindfulness: a arte de ser FELIZ no aqui-e-agora? Oops!


FELIZ NO AQUI-E-AGORA? Vejamos....

O título pretende brincar com um problema sério que tenho observado no meio do Mindfulness, ultimamente. Em primeiro lugar: a venda da felicidade e do bem-estar; em segundo, a idéia de que a infelicidade ou o sofrimento não ocupam um lugar central no mindfulness. Eles ocupam, sim. Ao menos, tanto quanto a felicidade!


A QUESTÃO 1 - a pílula do bem-estar

Desde que o professor Ronald Purser alertou sobre o McMindfulness, a coisa vem assumindo contornos cada vez mais sombrios. Às vezes eu vejo certas propagandas e sites que me apavoram. Cada jargão que me faz pular da cadeira!! VENHA SER FELIZ COM MINDFULNESS! Mindfulness alardeado como o novo crossfit, a nova zumba do bem-estar. A revista ISTO É trouxe a Fernanda Lima na capa com o título: "Mindfulness, o PODER da nova meditação". A SUPERINTERESSANTE falou em "como controlar a sua mente. AGORA".

Isso, com esse AGORA no final. Medo.

Para uma dessas revistas eu dei uma entrevista por email falando das limitações do Mindfulness. É claro que não incluíram a minha fala. Depois que li a matéria eu entendi.

No exterior, o alerta sobre a "money-making industry" do mindfulness foi dado há - pelo menos - 10 anos, mas no Brasil ainda não estamos falando SERIAMENTE sobre isso. Por que será? Você pode ensaiar algumas respostas.

De acordo com o que estamos vendo nas pesquisas mais rigorosas sobre mindfulness, podemos estar certos de que é possível alcançarmos bem-estar e redução de estresse. Porém, não é todo mundo que se identifica com o tratamento, do mesmo modo que os benefícios alcançados podem não ser exclusivos do mindfulness. Falei sobre isso no post anterior. Ainda não temos certeza se o que melhora no Mindfulness é exclusivo do Mindfulness ou se aulas de dança e de ping-pong não teriam o mesmo efeito, ou até melhor. Ou, de repente, se um clube de leitura com momentos de relaxamento não seria um grupo superior ou equivalente ao mindfulness. As pesquisas mostram que, quando comparado a um grupo controle ativo, o mindfulness praticamente perde o seu poder "único" de bem-estar. 

Mas, claro, ninguém fala sobre estes problemas. MENTIRA! Um dos meus professores em Oxford, Miguel Farias (agora ele dá aulas em Coventry) publicou um livro, e segue publicando artigos, exatamente sobre estes problemas. O livro ser chama "The Buddha Pill" (O remédio de Buda) e aponta limites e problemas do Mindfulness.


"os tratamentos com base em meditação podem desencadear outras doenças do foro psicológico, como é o caso da mania, depressão, alucinação e até mesmo psicose.
A investigação dos dois países concluiu que 60% das pessoas que fizeram um retiro espiritual à base de meditação foram alvo de um efeito colateral negativo, em especial ataques de pânico, depressão e confusões.
Mais concretamente, cerca de uma em cada 14 pessoas sofreram “efeitos adversos profundos”, alerta o chefe do grupo de pesquisa do cérebro, crença e comportamento da Universidade de Coventry, Dr. Miguel Faria, que passou 20 anos a analisar as consequências do ‘recolher do espírito e da mente’"
Recentemente, o Professor Miguel publicou na THE LANCET (maior revista médica do mundo) sobre o tema, em um comentário entitulado: What is mindfulness-based therapy good for? Evidence, Limitations and Controversies. Os resultados seguem indicando os limites enormes na pesquisa sobre Mindfulness. Dificilmente alguém fala sobre os problemas. É preciso investigar mais.



Mas por que então eu deveria participar de um grupo de mindfulness? Veja bem. Sabemos que mindfulness faz bem para a saúde, podendo até mesmo ajudar em problemas graves como câncer e depressão. A questão não é se mindfulness faz ou não faz bem. A questão é sobre limitações na pesquisa. Se mindfulness é tão melhor quanto um outro tratamento que também seja bom. Também, se os efeitos colaterais de mindfulness estão sendo bem avaliados. Portanto, mindfulness faz bem, mas ainda precisamos definir melhor de que maneira ele FAZ BEM; quais são os mecanismos que realmente promovem a melhor.



A QUESTÃO 2 - FELICIDADE NO AQUI-E-AGORA?

Em geral, as imagens associadas ao mindfulness são de pessoas felizes sentadas em posição de meditação. Isso até pode ser verdade, mas não diz sobre a história toda. Parte da descoberta do bem-estar está no contato com o que surge aqui-e-agora. Muitas e muitas vezes, o que surge, é dor e sofrimento. Muitas transformações decorrem de um contato sincero e profundo com a dor. Lembro bem do lindo livro de Pema Chodron - "Quando tudo se desfaz". É um livro sobre felicidade, mas recheado de encontro com dor e desilusão.

Quando mindfulness é vendido como felicidade há sempre o risco de "propaganda enganosa". O verdadeiro mindfulness, como falei, é um contato sincero consigo. Isso significa acolher o que surgir - seja a dor, seja a alegria. A dor é parte do processo. Por isso, nos grupos, lemos o poema "Casa de hóspedes", do Rumi.

Então, melhor, e mais verdadeiro, seria dizermos: Mindfulness - "infelicidade" no aqui-e-agora. E, um segundo depois: Mindfulness - "felicidade" no aqui-e-agora. E assim seguirmos. Porque a realidade não é um eterno spa com músicas relaxantes, cristais na cabeça e um ofurô com essências indianas. A realidade PODE SER ISSO. Mas em geral também inclui o seu filho chorando no berço enquanto você faz cálculos na sala sobre a contas do mês e descobre que está no "negativo" no banco. Em seguida, alguém te liga dizendo que um parente faleceu. Sim!! Queiramos ou não, o sofrimento e a dor são parte da vida e é com a vida inteira que lidamos no mindfulness, e não apenas com os momentos fofos, felizes e divertidos.

Grande culpada disso também é o "spiritual bypassing", ou seja, uma espiritualidade que nem sempre é autêntica e que as pessoas se sentem forçadas a transmitir (fale calmo, seja gentil, respire fundo) quando se envolvem com o mindfulness. Não são todos(as), mas rola uma energia desse tipo, muitas vezes. Amigo, amiga, não adianta fazer tipo. Não precisa fingir que é monge ou monja. Seja autêntico(a). Isso basta. 

É muito estranho propagar mindfulness como um encontro com a felicidade, a paz e a harmonia mental se, quando paramos para nos observar, muitas vezes encontramos o oposto. O que surge é raiva, desarmonia, medo, desilusão. Sim. É pesado. Mas, muitas vezes, é através de um encontro sincero com a dor e o sofrimento que conseguimos grandes transformações.


Claro, um grupo de mindfulness deve ser coordenado por um profissional competente para nos guiar. através das dificuldades. Não devemos passar por isso sozinhos. Do encontro sincero com grandes dores - físicas ou psicológicas - surgem grandes aprendizados. No mindfulness aprendemos a ver as dificuldades e infelicidades como companheiras de jornada. Não queremos NÃO SOFRER. Isso é impossível. Queremos aprender a lidar de maneira mais leve e funcional com os sofrimentos, invariáveis, que nos assolam.

Por isso, precisamos de orientação profissional adequada para participar de um grupo e praticar. 

Mindfulness é sentar com os demônios para tomar chá, quase sempre!!! Às vezes, é claro, é como deitar em uma grama verde sob um céu azul de outono. Mas, não admire se os demônios deitarem, rapidamente, ao seu lado.

Mindfulness é um encontro com a realidade. Lembre-se disso antes de ingressar em um curso que vende a imagem de pessoas sorrindo no alto de uma montanha. No mindfulness, alegria e dor andam lado-a-lado. Ao final do processo, ganharemos autoconsciência, liberdade e autonomia. Podemos viver uma vida mais lúcida, superando alguns problemas e aprendendo a pedir ajuda para os problemas que não conseguimos ultrapassar. Vale a pena.








Nenhum comentário: