original, completo, em: http://alhim.revues.org/index3667.html
autoria do texto de: Tomoko Kimura Gaudioso y André Luis Ramos Soares
O TEXTO GERAL SE RELACIONA COM AS RELIGIÕES JAPONESES NO BRASIL (SUL DO PAÍS)
As religiões japonesas
O termo religião compreende, segundo Paiva, “concepções, atribuições e histórias relacionadas com Deus ou deuses; sentimentos, afetos e emoções também relacionadas com essas entidades; ações, práticas, ritos igualmente relativos a essas concepções e emoções” (Paiva, 2009: 184).
No que toca à concepção da religião, o povo japonês tem na sua origem a crença ao animatismo e animismo, os quais atribuem à própria natureza e aos seres vivos, objetos inanimados e fenômenos naturais um princípio vital e como tal, que influenciam a vida cotidiana das pessoas. No período em que passa a desenvolver atividade agrícola com divisão de trabalho, surge novo conceito dêitico como politeísmo com existência de diversos deuses baseado na mitologia, equiparado a deuses da mitologia grega, que passa a existir sob nome de xintoísmo, juntamente com concepção de entidades anteriormente existentes (Tazawa e Matsubara, 1973: 9-15).
Diferentemente da religião católica, por exemplo, cuja data de celebração religiosa é unificada independentemente do local onde o indivíduo esteja, as festas religiosas xintoístas do Japão variam de região para região. Cada um desses deuses e entidades está firmemente enraizado no local, de forma que em todo o território japonês se realizam, durante o ano, diversos festivais e rituais locais, de forma independente uma das outras. Ao analisar esta característica, percebe-se que há uma ligação profunda dos deuses japoneses com a delimitação territorial da comunidade enquanto que o budismo e outras religiões posteriormente criadas ou introduzidas ao Japão não apresentam o vínculo ao local específico, embora várias religiões possuírem um local que pode ser nomeado como terra santa ou terra sagrada, todavia desvinculado da vida do cotidiano.
As religiões japonesas, neste sentido, são marcadas pela diversidade, mesmo que as matrizes históricas tornaram o budismo e o xintoísmo como determinantes, com centenas de divisões e ramificações. No que concerne ao budismo, ao longo de quase 1500 anos desde sua introdução no Japão, esta religião passou por um processo de “japonização”, no qual o processo de sincretismo fundiu elementos de xintoísmo, confucionismo e crenças populares.
O Budismo, entretanto, não somente teve um relacionamento sincrético com o Xintoísmo, como também desenvolveu uma espécie de “divisão de trabalho” com o mesmo, no que tange a ritos de passagem: enquanto o Xintoísmo geralmente está relacionado com o nascimento e o matrimônio, o Budismo continua na esfera do culto aos antepassados e dos ritos funerários. Note-se, porém, que apesar de não serem práticas comuns, também é possível haver casamento budista e funeral xintoísta. (Pereira, 2006: 3-4.)
sincretismo Budismo x Xintoísmo |
É necessário, porém, realizar uma breve crítica à popularização do conceito de sincretismo. Segundo Clarke (2008 : 23-24), foi Herskovitz quem introduziu o termo no discurso antropológico em 1941, no sentido objetivo ou neutro para designar a reinterpretação de culturas religiosas. Talvez mais correto seria propor o termo releitura ou ressignificação, mesmo que isso mantivesse uma encruzilhada conceitual. O termo justaposição, proposto por Verger tampouco soluciona o problema.
Como, grosso modo, a organização social japonesa tem por base, em primeiro lugar, a aldeia, depois a família e por último o indivíduo (Cardoso, 1995), percebe-se como o culto aos antepassados reforça a estrutura familiar. As ligações das comunidades com os templos ocorriam compulsoriamente a gerações, fazendo que o budismo também fosse uma religião por ‘tradição’.
Durante o final do período Meiji (1868-1912) e posteriormente durante os períodos Taisho (1912-1926) o governo favorece o Xintoísmo e o culto ao imperador, diminuindo a importância do budismo. Ao longo do período Showa (1926-1989, anterior a 2ª guerra) diversos ramos do budismo apóiam o militarismo japonês, e após a 2ª grande guerra, a liberdade religiosa proporciona o surgimento de um sem número de novas religiões, visto que a liberdade religiosa passou a ser garantida pela própria constituição, principalmente por desvincular a figura do chefe de estado da religião, crença de mais de um milênio de história.
Ao mesmo tempo, a “conversão” ao catolicismo deve ser observada com cautela, uma vez que diversos fatores, como sociais e culturais, mesclam-se na autodefinição religiosa feita pelos imigrantes. Talvez por isso Paiva (2005) tenha considerado diversas formas de “conversão” entre os praticantes de novas religiões, como a Perfect Liberty e a Seicho-no-Iê, considerando a identidade psicossocial dos freqüentadores destas religiões (Paiva, 2005 : 208-217). Sendo assim, muitas vezes a auto-representação religiosa, bem como a pertença dos imigrantes, se constitui em um jogo dialético entre a inserção na comunidade e os benefícios sócio-econômicos obtidos, como inserção na sociedade, como afirma Pereira:
As igrejas cristãs não tiveram nenhum impedimento para o trabalho missionário entre os imigrantes; pelo contrário, os próprios funcionários do governo japonês aconselhavam-lhes a se batizarem. De um modo geral, a evangelização católica teve uma presença maior de padres sem ascendência japonesa, enquanto que, no caso dos protestantes, esta se deu com missionários japoneses ou nikkei. Muitos imigrantes (sobretudo depois da segunda geração) tornaram-se cristãos, mas isso é interpretado por Takashi Maeyama e Hirochika Nakamaki como uma adaptação ou acomodação social ao meio brasileiro. Ou seja, para não ter problemas com a vizinhança ou na escola, muitos japoneses permitiam o batismo de suas crianças, sendo que os padrinhos eram brasileiros não-descendentes. (Pereira, 1991: 167)
Conforme esclarece Kimura (1987 :105), no Japão não há religião que possa ser considerado oficial como o catolicismo que predomina nos países europeus ou americanos. Assim, como atividade religiosa, o povo japonês pratica várias crenças sem demonstrar questionamento. Por exemplo, nas cerimônias ligadas ao cotidiano, os japoneses freqüentam o templo xintoísta no Ano Novo para pedir bênção, casam através da cerimônia católica ou xintoísta, celebram o nascimento de Jesus comendo bolo da ceia de Natal e, ao mesmo tempo, mantém profunda ligação com o budismo, celebrando o funeral à moda budista. Nesse sentido, há adoção de religiões diferentes para as diversas etapas da vida, conforme necessidade espiritual ou mesmo sócio-econômica dos próprios japoneses, ao decorrer do tempo.
PARA QUEM SE INTERESSOU PELO TEMA, RECOMENDO MUITÍSSIMO O FILME: A PARTIDA
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